Paulo Rego – OS SENTIDOS DA MUDANÇA

por Arsenio Reis

 

O Presidente chinês, Xi Jiping, prepara-se para vir comemorar os 15 anos da Região Administrativa Especial de Macau numa altura particularmente sensível. Mais do que a simples renovação do mandato de Chui Sai On, pairam incertezas sobre a restruturação da máquina governativa, com novos secretários-adjuntos e novos diretores de serviço. Não por capricho da troca de nomes, presume-se, mas sim para cimentarem orientações políticas e realinharem sistemas de check and balance.

Por um lado, a tensão nas ruas de Hong Kong levanta o espetro de eventuais contaminações; por outro, adensam-se dúvidas sobre a evolução das receitas nos casinos, bem como sobre os critérios da renovação das (sub)concessões de jogo; aumenta também a insatisfação face à pressão inflacionista e a contradição entre um Produto Interno Bruto de luxo e o empobrecimento da classe média; por fim, a difícil implementação de objetivos estratégicos como a diversificação económica, a integração regional, ou projeto lusófono chinês, lança desafios complexos sobre um “segundo sistema” que é suposto ser um laboratório da evolução da própria China. Em Macau, não é central a discussão sobre o sistema político, mas ganha urgência a qualidade da planificação política e a eficiência da sua execução.

Curiosamente – ou não – a mão do governo central, cada vez mais visível neste processo, não é vista em Macau como um problema em si. É verdade que a autonomia especial é um valor de máxima importância, mas a generalidade dos comentários públicos e privados transmite a ideia de que Pequim terá um papel positivo na maturação da governação e na conquista de novos horizontes. Desse ponto de vista, Xi Jiping visitará um lugar de conforto, sendo expectável que aproveite para projetar a sua visão de que como deve evoluir o “segundo sistema”, lançado por Deng Xiaoping numa altura em que a própria China era muito diferente daquilo que é hoje.

Os momentos de mudança são sempre tensos, mas a conceito de mudança em Macau é bem-vindo. Isso não quer dizer que estejam em risco a herança portuguesa ou a fusão entre as culturas ocidental e oriental, que marcam práticas e mentalidades diferenciadoras. Antes pelo contrário. Esse conceito está localmente enraizado, sendo também consistente no discurso do poder central. O que aparentemente afasta uns e outros é a capacidade – ou falta dela – de fazer dessa História um instrumento de crescimento económico, de sofisticação intelectual e de afirmação internacional.

O que a todos certamente interessa é que a mudança de que se fala seja qualificada e promissora. No respeito pelos interesses nacionais – sobretudo no que toca à integração regional – mas também pela especificidade da autonomia local. Mas a história não se esgota nesta geografia. Ao resto do mundo, a evolução positiva de Macau, no curto e no médio prazo, importa a vários níveis. Porque se trata de uma plataforma que não se resume a objetivos estritamente económicos. Sendo a China incontornável na geoestratégia mundial, é cada vez mais urgente explorar pontes de contacto, criar entendimentos e visões que englobem valores orientais e ocidentais.

Neste contexto, Macau tem a oportunidade de ultrapassar a sua própria dimensão histórica e geográfica, aproveitando a presença norte-americana nos casinos e a importância estratégica do projeto lusófono para fazer esse trabalho – nos dois sentidos. Ou seja, traduzir a China para o mundo e aproximar o mundo para a China. A verdadeira revolução de Marco Polo não foi mera abertura de rotas comerciais, mas sim a troca de conhecimentos. A paz e a prosperidade mundial dependem muito disso. Mais uma vez, isso não depende de Macau. Depende é das gentes de Macau – como a todos os que atuem nesta plataforma – saberem ler mais essa oportunidade.

 

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