“A CHINA TEM DE TOMAR DECISÕES”

por Arsenio Reis

 

É difícil falar da luta contra o amianto sem falar de Laurie Kazan-Allen. Fundadora do Secretariado Internacional de Proibição do Amianto (IBAS), a historiadora e ativista britânica dedica-se à causa há cerca de 15 anos, com o estabelecimento de movimentos civis por todo o mundo e apoio às vítimas do amianto. 

 

PLATAFORMA MACAU – Em 2000 estabeleceu o Secretariado Internacional de Proibição do Amianto. Desde essa altura, o que mudou na luta contra o amianto? 

LAURIE KAZAN-ALLEN – Há boas e más notícias. As boas notícias é que menos países estão a usar o amianto, devido às proibições que foram estabelelecendo. Houve outras nações que não proibíram, mas cessaram a sua utilização.

As más notícias é que a quantidade de amianto utilizado é praticamente a mesma desde 2000 – cerca de dois milhões de toneladas. Só que a utilização passou dos países industrializados para os países em desenvolvimento.

As nossas estatísticas, que têm como base os dados dos Serviços Geológicos dos EUA, apontam que, entre 2000 e 2012, houve um aumento de 1315% no Turquemenistão, 464% no Paquistão, 300% da Indonésia e 251% no Sri Lanka. Cresce o amianto em países onde não existem leis que possam proteger a população.

Nos Estados Unidos, por exemplo, o amianto não foi [inteiramente] banido, mas a verdade é que ninguém o quer usar, e o mesmo acontece no Canadá. Os produtores de amianto não vendem nesses países, mas fazem-no chegar através de diferentes esquemas: propaganda ou subornos. É assim que o mineral chega à Índia, Uzbequistão, Indonésia ou China.

 

P.M. – Há um aumento da utilização na China?

L.K.A. – Sim, aumentou 50%. Dou-lhe um exemplo do que se passa na China. No ano passado houve um grande escândalo na Austrália, que importou à China carruagens para comboios. Acontece que foram encontradas algumas juntas de amianto ou outros produtos que continham esta fibra. Penso que o contrato estipulava que não podiam ser utilizados produtos com amianto.

Os chineses alegaram, por seu lado, que se tratava de crisótila (amianto branco), o que não seria o mesmo que amianto.

Mas claro que é. Se você perguntar aos fornecedores especificamente se vendem crisótila, pode ter uma respostas diferente do que se perguntar se é amianto.

A China tem de tomar decisões. Já proibiram o uso de crocidolita (amianto azul) e amosite (amianto castanho), mas é necessário pôr um travão à exploração mineira e proibir toda a sua utilização. A China está a crescer e não tem justificação económica para não o fazer.

 

P.M. – Falou em vários tipos de amianto. Prevalece ainda muito a ideia de que alguns são perigosos e outros não. Isso é verdade?

L.K.A. – Como historiadora, posso dizer-lhe que a ideia de que alguns tipos de amianto não são perigosos é algo que foi vendido pela própria indústria, à semelhança do que se passou com as grandes tabaqueiras. Desde os anos 1920, a indústria do amianto, através de uma série de pessoas, de carteis, e de cientistas alimentaram a ideia de que o amianto branco era seguro e que o amianto azul e castanho é que não seriam.

A razão pelo qual o fizeram é porque 95% do amianto alguma vez usado é branco.

O essencial aqui é que o amianto branco pode ser um pouco mais seguro que o azul e o castanho, mas morte é morte. Preferia ser morto por uma faca ou por uma bomba nuclear? Não é seguro para as pessoas trabalharem com este minério, nem viver em edifícios ou estudar em escolas onde ele existe. Há alternativas mais seguras e por que não as usamos?

 

P.M. – Porquê?

L.K.A. – Por exemplo, os russos produzem amianto porque têm minas onde o exploram e querem continuar a vender. Por trás, têm toda uma máquina de propaganda que continua a dizer às pessoas que é seguro.

 

P.M. – Além de ser cancerígeno, existem ainda uma série de repercussões ambientais.

L.K.A. – Sim, claro. Em muitas fábricas na Rússia detetam-se estas fibras no ar e as pessoas que vivem ou trabalham ali perto inalam estas partículas. Muito do lixo é deitado ainda em áreas contíguas a estas zonas, o que afeta a saúde da população.

Nós já documentámos a existência de grupos de pessoas com cancro que viviam à volta de fábricas no Japão, Estados Unidos ou Grã-Bretanha.  Epidemiologistas que estudaram estas doenças falam de um foco geográfico, relacionando a localização das fábricas e o local onde estas pessoas vivem.

Tenho colegas que fizeram este estudo na Bélgica e encontraram grupos cancerígenos perto de duas ou três das principais unidades fabris.

 

P.M. – Pode então dizer-se que já não é só uma doença ocupacional?

L.K.A. – No passado, era definida dessa forma. Basta pensar nas doenças que afetavam os trabalhadores de estaleiros, canalizadores, eletricistas que trabalhavam em edifícios onde existia amianto. Não se pensava que poderia vir a afetar professores ou médicos, mas há casos que provam o contrário.

O ator Steve McQueen morreu de cancro derivado do amianto. Sabe-se que durante a II Guerra Mundial esteve na marinha e sabe-se também que gostava muito de motas. No entanto, não se sabe de que forma esteve exposto ao mineral.

Mesmo Barack Obama escreveu no seu primeiro livro sobre a sua experiência em Chicago quando trabalhou como organizador comunitário. Teve dificuldades ao tentar mobilizar pessoas que viviam em apartamentos contaminados com amianto. Obama conhece o problema, embora ainda não tenha feito nada enquanto presidente.

 

P.M. – O IBAS trabalha com vítimas do amianto. Diria que, de uma forma geral, doentes que não tiveram um contacto direto e óbvio com o amianto chegam a perceber o que aconteceu?  

L.K.A. – É uma situação muito triste. Diria que muitos já têm essa consciência.

Há pouco tempo houve um grande escândalo nos EUA sobre a contaminação do amianto no pó de talco. Existe a suspeita de que a exposição ao amianto poderia também ser a causa de cancro nos ovários. Como sabe, o pó de talco é utilizado em zonas íntimas.

Também aqui no Reino Unido, muitas escolas construídas após a II Guerra Mundial têm amianto. Hoje pessoas que estiveram expostas nestes espaços quando tinham dez ou quinze anos têm hoje cancro.

 

P.M. – E o que se deve fazer a esses edifícios antigos. Qual é a posição da comunidade internacional?

L.K.A. – Apesar de defendermos que todas as construções devem ser seguras, entendemos que financeiramente nem é sempre viável.

Primeiro devemos entender onde foi colocado o amianto e para isso deve ser levada a cabo uma auditoria.

Se os materiais à base de amianto estiverem em boa forma, então podem ser rotulados para que todos saibam onde estão e para que seja possível ir fazendo a sua fiscalização.

Mas, por exemplo, se o isolamento de tubagens tem amianto e se se foi deteriorando ao longo dos tempos, pode representar um perigo. Pode selar-se essa zona, mas depois talvez tenha de ser feita a sua remoção.

A demolição é uma hipótese, mas o amianto deve ser retirado antes disso acontecer para que as fibras não se espalhem pelo ar.

Devem ser utilizadas as técnicas mais modernas.

De outra forma, o perigo será maior do que era inicialmente. Mas, o primeiro passo é sempre decretar a sua proibição.

 

P.M. – Ainda em relação ao trabalho da IBAS, quais são os vossos projetos futuros?

L.K.A. – Somos uma organização muito pequena, mas a razão pela qual parecemos tão dominantes é porque trabalhamos muito de perto com colegas em todo o mundo. Temos todos os tipos de projetos e trabalhamos com a população, com os legisladores e com políticos.

Como historiadora, interessa-me atualmente registar o comportamento desta indústria e mostrar que o que faziam nos anos 1920 e 1930 ainda estão a fazer em 2014. Algumas das pessoas mudaram, a língua também, mas as estratégias mantêm-se, os argumentos são mais sofisticados. Quanto à industria, continua a fazer tudo o que pode para continuar a vender.

 

BRASIL ALERTA

P.M. – Tem mencionado uma série de escândalos ao longo desta entrevista e lê-se cada vez mais nos jornais casos levados a tribunal pelas vítimas do amianto. No Brasil, por exemplo, um dos maiores produtores e consumidores de amianto do mundo, isso também está a acontecer?

L.K.A. – No Brasil existem muitíssimos casos. Em 1995, foi formada a Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto. Nessa altura, a indústria estava sob o domínio dos media. Eles diziam que a crisótila (amianto branco) era segura e as pessoas acreditavam.

As vítimas do amianto formaram a associação em Osasco, perto de São Paulo, depois abriram uma sucursal no Rio de Janeiro e penso que entretanto já existem 12 sucursais no país. Então, as vítimas começaram a dizer aos jornalistas que o amianto não era seguro, que as pessoas morriam. Lentamente, a comunicação social começou a aperceber-se do problema. A associação revolucionou a perceção que existia no que diz respeito aos riscos associados ao mineral.

Neste momento há muitos casos em tribunal e o Supremo Tribunal está a considerar a constitucionalidade da utilização do amianto. Se a Constituição do Brasil garante a dignidade laboral e o direito à saúde, então o uso do amianto vai contra estes dois princípios. E, por isso, como pode uma política nacional que permite a utilização do amianto ser constitucional?

 

P.M. – Mas o amianto já está proibido em vários estados brasileiros.

L.K.A. – Sim, está proibido em sete estados. São Paulo proibiu, o Rio de Janeiro também, embora seja utilizado em fábricas. As companhias dizem que se deixarem de o fazer, têm de fechar as portas.

 

P.M. – A utilização do amianto em Portugal foi proibida em 2005. Que leitura faz da situação atual do país?

L.K.A. – Alguns dos países da União Europeia estabeleceram a proibição ainda antes de 2005. Penso que Portugal foi um dos últimos a fazê-lo.

Diria que há ainda uma certa lacuna em Portugal. Em Espanha, por exemplo, as vítimas do amianto estão a fazer um grande trabalho para levar os casos à justiça. Acredito que em Portugal haja pessoas que tenham essa intenção, por isso, estes temas devem chegar aos meios de comunicação para que as pessoas comecem a falar deles.

 

Catarina Domingues 

 

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