CERTIFICADO DE QUALIDADE E SOFISTICAÇÃO GOURMET

por Arsenio Reis

 

A certificação alimentar é o processo político que abre às empresas portuguesas as portas do mercado chinês, cada vez mais exigente depois de dramas como os do leite em pó contaminado. Miguel Araújo, adjunto do secretário de Estado da Alimentação e da Investigação Agroalimentar, explica que a qualidade e a sofisticação são também estratégicas para um país que, não tendo produção em massa, tem de se afirmar como um produtor gourmet.

 

PLATAFORMA MACAU – A aposta na exportação de produtos agroalimentares cria por cá a imagem de que Portugal é sobretudo o país do vinho e do azeite. Embora trabalhe nessa área, pensa que o país deveria ser apresentado de uma forma diferente?

MIGUEL ARAÚJO – Fazer julgamentos em causa própria é complicado, mas a verdade é que isso significa que o trabalho que temos desenvolvido nesta zona do mundo teve sucesso. Tenho registado essa opinião por parte de uma série de empresas e de instituições chinesas, o que me deixa muito satisfeito, pois isso revela o domínio que temos dos dossiers e a forma como eles têm sido trabalhados pelo secretário de Estado (Nuno Vieira e Brito), que conhece bem os assuntos e sabe dirimi-los com os interlocutores locais. Se nesta Região o setor agroalimentar é o mais forte, esse é o corolário da nossa missão. De qualquer forma, o país é muito mais do que isso. A China começa a descobrir outras áreas de interesse em Portugal, onde tem feito investimentos avultados e sobejamente conhecidos. Portugal não é só esta área, mas sentimo-nos muito confortáveis com a importância e a visibilidade do setor agroalimentar. Para isso muito têm contribuído as empresas desta área, que consideram – e muito bem – que este é um mercado essencial, no qual é preciso apostar. A nós compete-nos desbloquear as limitações existentes na China às importações dos nossos produtos.

 

P.M. – As regras à importação são especialmente apertadas na China?

M.A. – Há um grande nível de exigência. As autoridades chinesas querem ter a certeza de que os produtos que cá chegam têm os mais altos critérios de sanidade animal e de segurança alimentar.

 

P.M. – O facto dos produtos portugueses serem certificados na Europa não deveria ser suficiente na China?

M.A. – Não chega na China, como não chega nos Estados Unidos, no Brasil ou em Angola. Este é um setor específico e muito exige nas certificações. Temos desbloqueado situações essencialmente nas áreas dos laticíneos, do peixe e do marisco. Estamos agora a trabalhar a carne de porco, mas há imensos produtos – como os citrinos, a carne de aves, ou os equídeos – com processos de tramitação muito exigentes e demorados. Temos de responder a uma série de questões técnicas, que quase sempre culminam em missões de especialistas chineses que vão a Portugal verificar se os nossos produtos podem cá entrar.

 

P.M. – Muito mais do que compatibilizar processos de certificação…

M.A. – Se quiser, é uma auditoria que se repete sempre que um novo conjunto de empresas quer cá colocar os seus produtos. Há uma lista que identifica de uma forma muito clara quais as empresas e os produtos que cada uma delas pode exportar para a China.

 

P.M. – A que ritmo decorre o processo de certificações?

M.A. – Começam sempre com empresas a dizerem que gostariam de ir para este ou aquele mercado; ou então, do lado de cá, a dizerem-nos que gostariam de importar este ou aquele produto. Depois vemos se o produto está habilitado a entrar ou qual é o processo que tem de ser lançado. Aliás, é um esforço está a ser feito em 80 países. Nestes últimos anos, desde que a Secretaria de Estado foi criada, procedemos há habilitação de 150 produtos – ou conjunto de produtos – já concretizados em 70 países. Isso permite que a exportação agroalimentar cresça em países tradicionais – Brasil, Angola ou Moçambique – mas também em novos mercados – Chile, Argentina, Madagáscar ou países do Golfo – onde estamos a duplicar, triplicar ou a quadruplicar as nossas exportações. Há uma primeira aproximação das empresas e uma dinâmica que só nos pode orgulhar, porque vamos confirmando aqui, como em todo o lado, o que dizem os turistas que visitam Portugal: no final, levam certamente a gastronomia e os produtos portugueses como algo que lhes fica na memória.

 

P.M. – O crescimento das exportações agroalimentares portuguesas tem taxas superiores às da média nacional. Pensa que essa tendência irá manter-se?

M.A. –  Em 2013, as exportações em geral cresceram na ordem dos 4,6%; mas no setor agroalimentar aumentaram 7,8%. Essa tendência está consolidada e os empresários estão a descobrir algo essencial: o mercado europeu continua a ser estratégico, mas o crescimento é agora maior em países fora da Europa.

 

P.M. – Na China há a ideia de que Portugal não produz a uma escala que interesse aos grandes importadores. Como é que se contorna essa limitação?

M.A. – Não podemos competir com mercados de fornecimento em massa, como os Estados Unidos, o Brasil ou a Tailândia… Portanto, o reconhecimento dos nossos produtos parte muito de mercados-alvo exigentes e que pretendem diferenciação, qualidade e sabor sofisticado. Depois, voltamos ao mesmo, que é a procura de produtos com níveis de segurança extremamente elevados. É neste segmento que as nossas empresas têm trabalhado com sucesso, como se viu aqui na MIF, com uma das maiores representações – senão a maior – e o impacto positivo de diversos produtos, porque a nossa presença não se resumiu a vinhos e azeites.

 

P.M. – A aposta é num Portugal gourmet?

M.A. –  Sem dúvida! Com base na excelência de produtos e serviços, no acompanhamento dos clientes e dos compradores, na formação, na promoção nos pontos de venda, na apresentação e no marketing contínuo, em todas as suas perspetivas e dimensões.

 

Macau como plataforma “é já uma ideia instalada”

 

P.M. – Acredita em Macau como porta de entrada para a China? 

M.A. – Acredito. Mas o mais importante é que as empresas sabem isso; sentem-se bem cá e conseguem aqui encontrar interlocutores que os ajudam a abordar o mercado chinês. A presença deste conjunto de empresas na MIF demonstra isso e as autoridades locais mostram cada vez mais interesse. Vêm a nossa dinâmica e, tanto aqui como em Hong Kong, reconhecem que o acompanhamento por parte do Consulado de Portugal é algo que de facto diferencia e facilita o trabalho das empresas.

P.M. – A mensagem da plataforma está a passar… 

M.A. – É já uma ideia instalada. As pessoas percebem que em Macau têm um porto de entrada dos seus produtos. Já não se trata do mercado da saudade, porque aqui existe um conjunto de pessoas que conhece os produtos portugueses e lida bem com eles, o que facilita a abordagem ao mercado chinês.

 

P.M. – Nos contactos com as autoridades locais explicaram-lhe o que será o centro de apoio ao comércio dos produtos alimentares lusófonos, que vai nascer em Macau?

M.A. – O Instituto de Promoção do Investimento em Macau assume o compromisso de estudarmos esta área e a forma como as autoridades locais podem ajudar na introdução de novos produtos. De qualquer forma, Zhuhai está aqui ao lado e já tem uma plataforma logística com vantagens fiscais claras. Esse modelo, replicado por muitos outros pontos na China, permite a entrada de cada vez mais produtos. Tive também a oportunidade de constatar que há na China muitas cidades com a dimensão populacional do nosso país onde não estão nem produtos portugueses nem os de quaisquer outros países europeus. Os consumidores estão lá e, depois de provarem os nossos produtos, terão a mesma reação que têm no resto do mundo: gostam e querem mais. É uma vantagem que temos e que continuaremos a ter.

 

Paulo Rego

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