Paulo Rego – MUDANÇA NA ORDEM DO DIA

por Arsenio Reis

 

A surpreendente votação do social-democrata Aércio Neves, que desafia a trabalhista Dilma Roussef na segunda volta das presidenciais, significa que o povo brasileiro procura um sentido de mudança mais credível e consistente do que aquele que parecia corporizar a socialista Marina Silva. O futuro próximo dirá se Aércio convencerá os indecisos e aqueles que votaram em Marina Silva, na primeira volta. Um emigrante brasileiro em Lisboa resume o estado de alma que devolveu à corrida um economista com um discurso mais liberal que o das duas mulheres de esquerda com quem disputou a primeira volta: “Está na hora de o Brasil deixar de ser um país de futuro e passar a ser um país do presente”.

O desenvolvimento económico, o crescimento da classe média e a dinâmica de influência internacional protagonizados nos mandatos de Lula da Silva – pai político de Dilma Roussef – abrandaram a olhos vistos, com reflexos no crescimento do PIB que mais parece o de um país europeu em crise do que o de uma nova potência emergente. É difícil medir até que ponto isso se deve à crise económica global, que naturalmente retraiu as exportações brasileiras, ou a condições estruturantes de política interna resolúveis por uma lógica reformista. O facto é que o Palácio do Planalto tem sido incapaz de resolver as tensões sociais internas, como se viu nos protestos de rua contra a organização do Mundial de Futebol. Brasília tem-se revelado também impotente no ambicionado papel de locomotiva do desenvolvimento sul-americano – ou lusófono – que catapultaria o Brasil para um agente de primeira grandeza na nova ordem mundial.

A retoma do desenvolvimento social e económico parece cada vez mais dependente de circunstâncias globais do que de causas próprias. Neste contexto, o Brasil não é um caso isolado, sendo a mesma premissa aplicácel a outros cantos do mundo, desde as mais frágeis economias europeias, como a portuguesa, às novas superpotências – incluindo a China, que nos últimos anos tem também visto abrandar o seu ritmo de crescimento económico. Quer em Basília, quer em Pequim, como em tantas outras capitais, há certamente inúmeras reformas políticas, económicas e sociais que facilitariam a recuperação de ritmos mais ambiciosos de desenvolvimento. Mas o capitalismo global vive hoje de uma organicidade e de um transversalismo que já não permitem projetar resultados de forma isolada. Aliás, a consciência dessa realidade é mais uma oportunidade para entendimentos alargados sobre que mundo queremos e quais as melhores formas de os perseguir.

Independentemente das ideossincracias próprias de cada realidade em que ela se afirma, a esperança coletiva na mudança cria responsabilidades acrescidas aos grandes líderes mundiais, pressionados por um espírito do tempo que põe em cheque governações redutoras, nacionalistas e conservadoras. Não por questões ideológicas, mas sim pela consciência crescente da necessidade de políticas que produzam ondas de adesão e resultados práticos.

O papel dos Estados na organização social e económica, a reforma das instituições nacionais e transnacionais, a participação dos cidadãos na vida pública – seja qual for o regime em causa – ou a migração para o crescimento sustentável são apenas alguns exemplos de temas que são hoje tão transversais e globalizantes como é a economia.

A reformatação das alianças regionais e planetárias, o multiculturalismo e a política como instrumento nobre do desenvolvimento humano  – lacto sensu – são hoje temas na ordem do dia. Não são questões isoladas, nem se resolvem só com novos  perfis de liderança. Aliás, a nova lógica não depende necessariamente de novos protagonistas, mas sim de uma leitura adequada do pulsar das civilizações modernas, ligadas em rede, e dos debates que são hoje planetárias. Certo é que a História inscreve este ensinamento lapidar: quem sente o espírito do tempo e nele sabe cavalgar tem um lugar no futuro que não pertence a quem se enterra nas lógicas do passado. A estes, mais dia menos dia, a realidade cai-lhes em cima, tarde demais para os ressuscitar.

 

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