Luís Andrade de Sá – TABLÓIDES

por Arsenio Reis

 

Como se costuma dizer, aquele foi o dia em que a América perdeu a sua inocência. Mas já lhe aconteceu tantas vezes – assassinato de Kennedy, Watergate, 11 de Setembro,… – que o chavão tem o valor de um redondo vocábulo.

Mesmo assim. No dia 6 de maio de 1987, numa conferência de imprensa no New Hampshire, um repórter do The Washington Post, Paul Taylor, levanta a mão e pergunta ao senador Gary Hart o ‘wonderboy’ com que os democratas queriam pôr um ponto final em oito anos de reaganismo: “Alguma vez cometeu adultério?”.

A carreira de Hart acabou, aí, entre fotografias dele com a sua amante num iate apropriadamente chamado Monkey Business, e publicadas pelo Miami Herald, no mesmo dia em que o The Washington Post trazia o perfil do senador. A opinião pública tomou então conhecimento com um “womanizer”, tal como o seria Bill Clinton, o democrata que finalmente pôs termo ao ciclo de oito anos de Reagan e quatro de George Bush (pai), e como o tinham sido diversos anteriores presidentes. Mas foi a pergunta de Taylor, que cruzou a fronteira, até então interdita, dos “pequenos pecadilhos” dos políticos e a trouxe para as páginas dos jornais de referência, como escreve Matt Bai, em “All the Truth Is Out: The Fall of Gary Hart and the Rise of Tabloid Politics”, publicado em setembro pela Knopf.

Hart nunca mais recuperou politicamente do escândalo, ele que era, de facto, um dos grandes políticos americanos, com o dom da presciência, que, segundo Bai, lhe permitia antecipar a urgência de fontes alternativas de energia ou a vulnerabilidade do país a ataques terroristas sem rosto. Mas aconteceu-lhe o que foi poupado a outros presidentes, como, por exemplo, a John F. Kennedy(1961-63), com quem era inevitavelmente comparado. Escrevendo na Salon, sobre o livro de Bai, Laura Miller evoca as mulheres que entravam nos hotéis onde estava Kennedy, sem que fosse escrita uma linha sobre o assunto. Ou o sermão que o Presidente Lyndan B. Johnson (1963-69) deu aos jornalistas que o cobriam, tratando-os por “rapazes”. “Mais uma coisa, rapazes. Podem ver-me a entrar e a sair de alguns quartos de mulheres enquanto eu estiver na Casa Branca, mas lembrem-se que isso não é da vossa conta”.

Curiosamente, é a geração dos jornalistas diplomados, que saíam das universidades guiados pelo exemplo de Carl Bernstein e Bob Woodward, os repórteres do The Washington Post que denunciaram o Watergate e deitaram abaixo Richard Nixon, que mais contribuiu para o fim do “its none of your business” com que os políticos mantinham privada a sua vida privada. E, fazendo-o, acabou por ser essa a geração da chamada tabloidização da política americana.

Quando, em 1987, Taylor fez a pegunta a Hart, já os britânicos andavam há anos “nessa vida” e até mesmo os insuspeitos alemães não faziam a coisa por menos, à boleia do império de Axel Springer e dos seus temidos jornais.

“As personagens e o enredo são completamente fictícios. Semelhanças com práticas jornalísticas do diário Bild não são intencionais nem coincidentes, mas inevitáveis”, advertia, em 1974, o escritor alemão Heinrich Böll no início da sua novela A Honra Perdida de Katharina Blum, que deu origem ao filme com o mesmo nome de Volker Scholondorff e Margarethe von Trota.

 

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