NA PRIMEIRA PESSOA

por Arsenio Reis

 

Vitorino Trovoada 

1964,  São Tomé

Vitorino Trovoada_fotoO meu pai é de uma família muito antiga e conhecida de São Tomé. Ele chama-se Manuel da Graça Aires Trovoada e vive na Europa já há uns anos. A minha mãe, que infelizmente já não está entre nós, também era são-tomense. O meu avô materno era português, mas são histórias antigas e os pormenores não conheço. Geralmente, as pessoas que iam para São Tomé estavam ligadas ao comércio.

A minha mãe cuidava dos filhos e o meu pai foi o primeiro diretor negro a dirigir a Imprensa Nacional de São Tomé e Príncipe após a independência.

Quando terminei o liceu, e enquanto esperava oportunidade para sair para estudar, dei aulas de Física. Estive no país até aos 21 anos. Tive uma bolsa para estudar Medicina Nuclear na então União Soviética, que eu declinei porque a Medicina Nuclear não iria ter grande utilidade em São Tomé.

Em 1986, vim para a China estudar Medicina. Não foi nada fácil, era uma língua e cultura totalmente diferentes, mas quando estamos determinados a fazer alguma coisa, temos de a levar até ao fim.

A minha vinda para a China foi uma experiência espetacular. No aeroporto de Lisboa, antes de vir, um português disse-me: “O meu sonho era ir para a China”. Imagine o que era em 1986 ouvir isso sobre o outro lado do mundo. Vir para aqui ajuda-nos a crescer, podemos comparar a forma como as pessoas reagem perante certas circunstâncias aí e como é que as pessoas o fazem do outro lado do mundo.

Estive um ano em Pequim a aprender a língua e depois fui para Xangai, onde estudei seis anos na Universidade de Medicina. Depois houve a oportunidade de continuarmos a nossa formação em Macau. Vim para os Serviços de Saúde, inicialmente trabalhei no Centro de Controlo de Doenças infectocontagiosas e, mais tarde, dei sequência à formação médica. Depois candidatei-me para a especialização na área da Pediatria, que iniciei cá em Macau, depois em Portugal. Hoje trabalho na área privada. Casei em Macau com uma portuguesa e tenho dois filhos.

O futuro só a Deus pertence e não posso dizer que não vou voltar para São Tomé. Tenho muitas saudades da minha terra.

 

Adalberto Tenreiro

1955,  São Tomé

adalberto tenreiro1A minha mãe era mestiça de São Tomé e o meu pai era de Ferreira do Zêzere. Ela era dona de casa e ele comerciante. Nas colónias, o comércio fazia-se de tudo, desde alfinetes até aviões, se fosse possível.

O apelido Tenreiro é conhecido em São Tomé por causa de um senhor chamado Francisco José Tenreiro, poeta nacional de São Tomé e que era primo do meu pai. Foi o pai do Francisco José Tenreiro que levou o meu pai para São Tomé. Esse poeta, filho de uma africana, foi para Lisboa, era discípulo do Orlando Ribeiro, aluno do Adriano Moreira e foi deputado à Assembleia Nacional de São Tomé, portanto, a Assembleia Nacional fascista. Por um lado, convivia durante os dias com esse lado nacionalista, por outro, era amigo do Agostinho Neto e publicava livros com ele. Era um homem com muitas vidas em paralelo.

Eu saí de São Tomé em 1973, acabei o secundário e fui para Lisboa, onde estive até 1983. Estudei Arquitetura na Universidade Técnica de Lisboa. Muitas pessoas das ex-colónias não estavam enraizadas em Portugal e penso que sou um desses casos. Vim para Macau com um grupo de sete arquitetos de Lisboa trabalhar para o governo. Quando chegámos, do ponto de vista da arquitetura, Macau estava mais desenvolvida que a China. Neste momento, a China está mais desenvolvida que Macau. Trabalhei dois anos com o arquiteto Manuel Vicente, tenho essa referência. Foi importante para mim. Em 1987, comecei a trabalhar por conta própria. [Em termos de projetos de arquitetura realizados], tenho cerca de sete pontos de peões, o quartel de bombeiros da Taipa, a piscina do Dom Bosco, a Piscina Olímpica, a Piscina do Carmo, dois ou ou três prédios pequeninos, um prédio grande…

Pensa regressar a São Tomé? Não, acho que não. Nunca lá fui desde que saí…. As vidas mudam, essa foi outra vida. Uma vez, perguntei a uma pessoa mais velha por uma história do passado e ela disse-me: “Isso foi uma vida, agora estou noutra”. E para mim é parecido, São Tomé é outra vida.

 

Paula Mota

1970,  São Tomé

PMotaOs meus pais são são-tomenses de várias origens. O meu avô paterno é de Viseu, Portugal. Na altura, com a ida dos portugueses para as antigas colónias, ele foi para lá trabalhar na área do comércio. Não estava na exportação do café nem do cacau, nada disso.

A minha mãe trabalhava na Estatística e o meu pai estava com o meu avô na loja que mantém ainda hoje, a firma Sousa&Filhos.

Tenho vários irmãos, quatro irmãs e três irmãos, eu sou a mais velha. Tínhamos o hábito de ir todos os fins de semana à roça do meu pai. Ele também gostava de nos levar a conhecer uma ou outra roça fora da cidade. Pegava no carro, nos filhos, fazia um farnelzinho e passávamos assim o domingo.

Não me lembro do período da independência, era muito nova, só sei daquilo que se conta e do que vou lendo ou vendo na TV.

Acabei o secundário, comecei a trabalhar e  casei-me. Depois viemos para Macau, onde estudámos. Vim com dois filhos. O meu marido era quadro do Ministério dos Negócios Estrangeiros e recebeu uma bolsa para estudar Direito em Macau. Eu licenciei-me em Estudos Europeus. Acabámos por ir ficando.

Em 1996, quando cheguei, Macau era muito diferente. Sempre vivemos na Taipa, que era muito pequenina. Não havia nada, tinha uma referência, que era o supermercado Seng Cheong. Havia ainda o antigo hotel Hyatt, a universidade e zonas residenciais.

Macau é hoje uma cidade muito movimentada. Pondero regressar a São Tomé, mas para quando não sei.

Atualmente trabalho na Universidade de São José, faço toda a coordenação das relações internacionais, trabalho com os acordos bilaterais e programas de intercâmbio. Além de fazer parte da Associação de são-tomenses, também sou diretora de eventos da Câmara do Comércio Africana em Macau.

 

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