METADE DA LUSOFONIA COM TAXA DE TRABALHO INFANTIL ACIMA DE 20%

por Arsenio Reis

 

Guiné-Bissau, Angola, Moçambique, Timor-Leste e Guiné-Equatorial são os países lusófonos com as mais elevadas taxas de trabalho infantil, superiores a 20% na maior parte dos casos, segundo dados compilados pelo Plataforma Macau.

 

É nos países africanos de língua oficial portuguesa (PALOP) que há mais crianças envolvidas em formas de trabalho infantil. A maior parte destas situações abrangem meninas e meninos com idades sobretudo entre os cinco e os 14 anos e que participam principalmente em atividades agrícolas, trabalhos domésticos e outras do setor informal da economia para ajudar no sustento da família. A pobreza é a principal determinante do trabalho infantil na maior parte destes países e baixos índices de registo de nascimento deixam as crianças vulneráveis a casos de exploração, nomeadamente sexual, revelam dados analisados pelo Plataforma Macau.

Segundo o estudo sobre a aplicação de convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT) pelos membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), publicado no ano passado, a Guiné-Bissau, que é um dos países mais pobres do mundo, afirma-se como aquele em que o trabalho infantil tem maior incidência no bloco lusófono.

Dados relativos a 2010 citados nesse relatório indicam que mais de metade das crianças guineenses com idades entre os cinco e os 14 anos (57%) estão envolvidas em trabalho infantil, que é mais frequente no meio rural (65%) e se regista sobretudo entre as meninas (60%). A OIT salienta que é a “busca por estratégias de sobrevivência” pelas famílias da Guiné-Bissau que motiva esta situação e que muitas crianças acabam por ser “vítimas de violência” e “expostas ao tráfico para fins comerciais”. Segundo a UNICEF, cerca 200 crianças guineenses são traficadas todos os meses e 30% dos menores forçados a pedir esmola em Dakar, capital do Senegal, são originários da Guiné-Bissau.

Dados do Departamento do Trabalho dos Estados Unidos relativos a 2012 indicam que a taxa de trabalho infantil na Guiné-Bissau ascende a cerca de 47% e um relatório da UNICEF divulgado este ano e relativo ao período 2005-2012 situa o indicador nos 38%.

Em Moçambique, a OIT estima que 22% das crianças entre os cinco e os 14 anos estão envolvidas em atividades económicas, sobretudo nos meios rurais (25%) e no centro do país. A organização aponta que as lides do campo (produção de algodão e tabaco sobretudo), o trabalho doméstico e a prostituição são as formas mais comuns do trabalho infantil em Moçambique, que está associado à pobreza e a casos de assédio sexual por professores que levam ao abandono escolar, especialmente por meninas.

As crianças órfãs, dado o elevado número de mortes causadas pelo VIH/Sida, são as mais expostas ao trabalho infantil como meio de subsistência, registando-se também a sua exploração económica por famílias de acolhimento, salienta o mesmo relatório.

Os dados da UNICEF e do Departamento do Trabalho norte-americano também situam a taxa de trabalho infantil em Moçambique nos 22%.

Em Angola, onde 37% da população vive abaixo da linha da pobreza, apesar do crescimento económico que o país tem registado desde a guerra, a OIT calcula que 20,4% das crianças dos cinco aos 14 anos estejam envolvidas em trabalho infantil, sobretudo no campo. Os dados da UNICEF apontam para 24% e os dos Estados Unidos para 25,7%.

Um inquérito realizado entre 2008 e 2009 em Angola e citado pela OIT conclui que a maior parte das crianças trabalham para as suas famílias e sem pagamento e que as meninas são as principais afetadas por serem as mais requisitadas para trabalhos domésticos. A prostituição infantil é considerada também como um problema alarmante em Angola.

O relatório norte-americano aponta que as crianças angolanas são usadas como correios no comércio ilegal entre Angola e a Namíbia, incluindo o tráfico de droga, e que são vítimas de tráfico humano, nomeadamente para o Brasil e Portugal.

A Guiné Equatorial não está abrangida pelo estudo da OIT sobre os países lusófonos por o país, na altura, ainda não ser membro de pleno direito da CPLP. No entanto, a UNICEF integra o país no seu relatório divulgado este ano, indicando que conta com uma taxa de trabalho infantil de 28%.

Quanto a Timor-Leste, os dados são mais discrepantes. O Departamento do Trabalho dos Estados Unidos refere, no seu relatório de 2012, que a taxa de trabalho infantil na jovem nação ascende a 19,9% das crianças entre os dez e os 14 anos, que estão sobretudo envolvidas em atividade agrícolas e em trabalho doméstico, mas os dados da UNICEF referentes ao período 2008-2012 aponta para 4%.

 

OS MELHORES

Portugal é o único país onde o fenómeno do trabalho infantil foi considerado pela OIT como erradicado. De acordo com a UNICEF, o país registava entre 2005 e 2012 uma taxa de incidência do trabalho infantil de 3%, apesar de não haver muitos dados disponíveis.

Em África, Cabo Verde, que é o único país dos PALOP classificado como tendo um desenvolvimento humano de nível médio, regista uma taxa de trabalho infantil de também apenas 3%, segundo a UNICEF e o Departamento do Trabalho norte-americano. A OIT refere, citando pesquisas oficiais cabo-verdianas, que, entre 2005 e 2006, o número de crianças envolvidas em trabalho infantil no país caiu de 11 mil para oito mil, mas que, entre 2007 e 2009, duplicou para mais de 16 mil casos, a maior parte registados na ilha de Santiago e sobretudo no comércio informal, lides domésticas e do campo.

Os Estados Unidos alertaram, porém, para o facto de “a exploração sexual comercial de crianças ser um problema” no arquipélago, “incluindo o turismo sexual”.

Quanto a São Tomé e Príncipe, um relatório enviado ao Comité dos Direitos das Crianças pelo Governo local em 2008 refere que o trabalho infantil atinge 8% das crianças entre os cinco e os 14 anos, sobretudo de meios rurais, envolvendo principalmente atividades agrícolas e o comércio informal. No entanto, a maior parte destas crianças conjugam o trabalho com a escola.

Entre 2006 e 2013, todos os PALOP ratificaram as Convenções sobre o trabalho infantil.

No que se refere a Macau não há dados concretos disponíveis quanto à taxa de trabalho infantil, mas o Departamento de Estado norte-americano cita no seu relatório sobre os Direitos Humanos do ano passado “alguns casos de crianças a trabalhar em negócios pequenos ou geridos pela família”. Também no ano passado, as Nações Unidas denunciaram, num relatório sobre os Direitos das Crianças, um aumento do número de casos de exploração sexual e tráfico de menores alegadamente relacionado com o jogo. De acordo com os dados mais recentes da OIT, o número de crianças em situação de trabalho infantil em todo o mundo caiu de 246 milhões em 2000 para 168 milhões em 2012, representando 11% da população do planeta, das quais 85 milhões executam trabalhos perigosos. A maior parte encontra-se na Ásia, mas é a África subsariana que tem a incidência mais elevada, de 21%.

 

Patrícia Neves

 

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