CABO-VERDIANOS TÊM “AJUDADO A EDIFICAR MACAU”

por Arsenio Reis

 

Foi o espírito aventureiro caraterístico dos cabo-verdianos que os trouxe até Macau. Hoje, formam uma “comunidade de elite”, das mais antigas entre as de expressão portuguesa aqui radicadas e que contribui ativamente para o desenvolvimento do território, mantendo sempre um grande “apego à terra” constata o presidente da Associação de Amizade Macau-Cabo Verde, Daniel Pinto. 

 

PLATAFORMA MACAU Como podemos descrever a comunidade cabo-verdiana em Macau?

DANIEL PINTO – Há vários anos que os cabo-verdianos estão em Macau como funcionários públicos, com algum papel relevante na sociedade macaense. Somos das comunidades de expressão portuguesa mais antigas de Macau. Já tivemos aqui professores, muito pessoal na função pública. E depois é a continuidade sempre com alguma qualidade, é uma comunidade de elite, podemos dizer assim, pois são pessoas, de um modo geral, qualificadas e que ocupam e continuam a ocupar lugares de relevo nesta sociedade. Podemos dividir a comunidade em dois grupos: há cabo-verdianos que têm dupla nacionalidade – cabo-verdiana e portuguesa -, há cabo-verdianos que só têm nacionalidade portuguesa e outros que só têm nacionalidade cabo-verdiana. Mas, no fundo, as raízes não se dispersam. É um núcleo forte independentemente de ter ou não passaporte de Cabo Verde ou de Portugal. A condição de pertença à terra é a mesma.

 

P.M. Porque razão começaram a chegar cabo-verdianos a Macau?

D.P. – Acho que para prestar serviço na função pública de Macau durante a administração portuguesa. Nem sequer se sonhava ainda no território com retorno à pátria. Isto já vem dos tempos em que Macau ainda era praticamente uma aldeia piscatória.

 

P.M. Quando e porquê foi criada esta associação?

D.P. – A associação foi criada há 14 anos. Era algo que quase que se impunha. Na diáspora há sempre aquela saudade e nostalgia, há sempre aquela vontade de enaltecer o país, de fazer as pessoas saber que estamos presentes, esse é que é o espírito da associação e tentar, da melhor forma, fazer com que o nome da terra se mantenha vivo e brilhe. Temos muitas pessoas que poderão até não ter o nosso cartão de sócio, mas que gravitam à nossa volta e estão sempre connosco.

 

P.M. O que tem feito a associação para promover a cultura cabo-verdiana em Macau?

D.P. – Somos uma associação sem fins lucrativos e, naquilo que nos é possível, procuramos promover a nossa cultura. Fazemos convívios, saraus, comemoramos os nossos aniversários, estamos presentes na Festa da Lusofonia, fazemos tudo o que nos é possível para divulgar da melhor forma possível Cabo Verde, que é uma terra de paz, de fraternidade, de amizade, de morabeza e nós seguimos apenas a linha do comboio. Recentemente tivemos uma palestra sobre o património cultural de Cabo Verde, em que fizemos questão de ter música ao vivo. Aproveitamos estas oportunidades para enaltecer o nome de Cabo Verde e para que as pessoas possam matar saudades da terra. Poderíamos fazer muito mais se não fosse a questão financeira.

 

P.M. Faltam espaços em Macau onde a comunidade se possa reunir e que contribuam para a promoção da cultura cabo-verdiana, como restaurantes?

D.P. – Mais do que nunca, nós, não só cabo-verdianos, como angolanos, moçambicanos, as comunidades lusófonas, precisamos de um espaço mas não o temos. As associações podem ter as suas sedes físicas, mas não é por aí, precisa-se é de restaurantes, por exemplo, onde se possa comer muamba, cachupa, pratos típicos dos nossos países, isso é que seria útil, um sítio onde os africanos, e não só os cabo-verdianos, pudessem estar e conviver. Antes da transição havia dois restaurantes onde se ouvia música africana e os africanos e pessoas de outras nacionalidades se reuniam e que dão sempre um colorido muito especial a Macau. Nós também ajudamos a edificar Macau, temos a nossa quota-parte no desenvolvimento do território. De facto esse colorido tem faltado ultimamente a Macau, porque não existe um restaurante africano. É uma questão que não pode morrer. Era muito importante que houvesse alguém a investir nisto para que tivéssemos esse espaço para nos reunirmos.

 

P.M. Quais as principais atividades a que se dedicam os cabo-verdianos em Macau?

D.P. – Temos funcionários públicos, temos vários médicos, professores, muitos advogados, é um orgulho muito grande, porque a comunidade é também muito bem vista. E espero que ela seja unida, firme, com propósitos nobres e que o protagonista seja sempre Cabo Verde.

 

P.M. A comunidade é hoje maior ou menor do que no passado?

D.P. – Durante a administração portuguesa, tínhamos muitos cabo-verdianos a trabalhar em Macau, depois vários partiram, o que fez com que ficassem menos cabo-verdianos no território, mas depois veio uma leva de estudantes e a comunidade voltou a aumentar. Muitos estudantes cabo-verdianos acabaram por ficar em Macau e criar aqui raízes, portando a comunidade vai-se mantendo. Nós temos muitos mais cabo-verdianos na diáspora do que propriamente em Cabo Verde. Os cabo-verdianos são um povo muito aventureiro e consegue-se instalar facilmente noutros locais, mas mantém sempre aquele apego à terra. Trabalham e tentam criar um negócio ou construir uma casa em Cabo Verde. Apesar da distância ser incomensurável, o cordão umbilical nunca se parte. É uma das prerrogativas do cabo-verdiano.

 

P.M. Acha que há muitos empresários cabo-verdianos a explorar este papel de Macau como plataforma para a China ou podiam explorar melhor?

D.P. – É um pouco difícil, porque Cabo Verde fica muito longe da China. Cabo Verde e Macau têm posições estratégicas fabulosas, só que Cabo Verde está em melhores condições para negociar com os países da Europa, nomeadamente com Portugal ou com os próprios países africanos. Não é fácil, apesar da boa vontade, fazer esse tipo de investimento, apesar de, nesta altura, termos centenas de chineses em Cabo Verde, muitos até a falar já crioulo. Mas isso tem a ver com os Governos de Cabo Verde e da China, que criaram uma política, apesar da distância ser grande, de boa vizinhança, em que permitem que pessoas ligadas ao comércio entrem em Cabo Verde e montem os seus negócios e essas pessoas, de modo geral, não pagam impostos, é por isso que em Cabo Verde há muitos chineses. Numa rua pode haver duas ou três lojas chinesas.

 

P.M. O que estão a preparar para a Festa da Lusofonia?

D.P. – Tentamos sempre representar de forma muito condigna o nosso país. Temos uma ideia sobre o que fazer, mas vamos amadurecê-la e reunir para tratar deste assunto. Vamos ver se as coisas se resolvem para bem da organização e das comunidades, porque a Festa da Lusofonia é o segundo maior cartaz cultural de Macau depois do Grande Prémio. É uma festa com um colorido multicultural fabuloso que não deixa ninguém indiferente.

 

Patrícia Neves

 

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