CASINOS USAM MÚSICA SEM PAGAR DIREITOS DE AUTOR

por Arsenio Reis

 

A maior parte das operadoras de jogo e todas as rádios e televisões de Macau usam música sem pagar direitos de autor, denuncia o presidente da Associação dos Compositores, Autores e Editores de Macau (MACA), Yan Ung Kuoc Iang. Em entrevista ao Plataforma Macau, o responsável defende que a coleta de royalties poderá contribuir para a diversificação da economia e alerta para a necessidade de se investir no desenvolvimento de uma cultura musical no território.

 

PLATAFORMA MACAU – Quando e porquê foi criada esta associação?

YAN UNG KUOC IANG – Eu sou compositor e tornei-me membro da CASH (Composers and Authors Society of Hong Kong) em 1996. Entretanto, comecei a ouvir muitas das minhas composições em diferentes locais de Macau, como a rádio e lojas, portanto, juntei-me com alguns compositores locais e escrevemos à CISAC (International Confederation of Authors and Composers Societies) – representante de 226 sociedades de 120 países -, que veio a Macau em 2004 e monitorizou a situação no território ao longo de cinco anos. Aquando das visitas da CISAC a Macau, reunimo-nos com eles e, em 2009, acharam que poderíamos criar esta associação e foi o que eu e outros compositores fizemos.

 

P.M. – Como é que acha que as suas composições acabaram por ser utilizadas por rádios e lojas em Macau?

Y.U.K.I. – Na verdade, comecei por as ouvir em alguns casinos e em algumas rádios. Eles compraram provavelmente os CDs e passavam as músicas, mas tinham de pagar os direitos de autor, porque em todos os CDs há uma nota alertando que as músicas só podem ser ouvidas em casa, pois para as passar em locais públicos é preciso ter autorização do detentor dos seus direitos de autor.

 

P.M. – E quais os principais objetivos da associação?

Y.U.K.I. – Queríamos fazer algo pelos criadores de música, porque não era justo usar-se a música dos compositores sem se pagar os direitos de autor, então tentamos lutar pelos direitos dos compositores locais. Hoje temos cerca de 50 membros locais e recolhemos o valor dos direitos de autor em Macau, como noutros locais, como Hong Kong e China, se a sua música aí passar, e pagamos-lhes. É a base do nosso trabalho e também temos um concurso de compositores para encorajar talentos locais a seguirem uma carreira musical, que é apoiado pelo Instituto Cultural de Macau.

A MACA representa ainda cerca de um milhão de compositores e letristas em mais de 20 países e territórios, através de acordos que temos com 25 associações ou sociedades homólogas nesses locais.

 

P.M. – Para serem membros da MACA, os músicos têm de pagar quotas?

Y.U.K.I – Não, nós ficamos apenas com uma percentagem dos direitos de autor que cobramos aos locais que usam a música dos nossos membros. Para integrar a nossa associação, os músicos precisam de ter, pelo menos, uma música original editada e prová-lo, pode ser através de um concerto ou até mesmo do YouTube ou da gravação de um álbum independente.

 

P.M. – E como fazem a cobrança dos direitos de autor? Como sabem onde está a música destes artistas a ser utilizada?

Y.U.K.I. – Procuramos recolher provas na cidade, mas é muito trabalho e temos apenas quatro funcionários, por isso, esperamos poder vir a ter um maior orçamento para desempenhar melhor esta função, por isso estamos a tentar conseguir mais fundos do Governo.

Felizmente, já conseguimos chegar a acordo com uma operadora de jogo, porque estamos primeiro focados nos grandes utilizadores de música no território, nomeadamente os casinos.

E se outros locais fora do território usarem música dos nossos membros, as associações desses lugares transferem os direitos de autor para nós e nós pagamos aos nossos membros.

 

P.M. – Se um compositor local ouvir, por exemplo, a sua música numa loja na China, pode pedir à vossa associação para fazer a cobrança dos direitos de autor?

Y.U.K.I. – Sim, basta dizer-nos onde e quando isso aconteceu e nós contactamos a associação na China (Music Copyright Society of China), que tem 20 representações em todo o país e acordos com mais de 30 rádios e televisões chinesas. Se as músicas de compositores locais passarem numa dessas rádios chinesas, por exemplo, a sociedade transfere os direitos de autor para a MACA e nós pagamos aos compositores. Mas precisamos primeiro de recolher provas.

Esta nossa atividade é bastante importante para a indústria da música em Macau, porque esta é uma parte do PIB que o Governo está à procura, apesar de não ser um número grande.

 

P.M. – Mas temos ainda poucos artistas para isso, não?

Y.U.K.I. – Sim, na verdade, o mercado ainda não foi ainda sequer desenvolvido.

 

QUEIXAS INTERNACIONAIS

P.M. – As rádios e televisões de Macau pagam direitos de autor pela música que passam?

Y.U.K.I. – As rádios e televisões não têm pagado direitos de autor nem relativos ao uso de música local nem internacional. Começámos a discutir esta questão em março de 2011 e já enviámos um pedido para mais discussões sobre o assunto, mas nunca responderam. Tentamos seguir esta via do diálogo, para, se possível, evitar ir a tribunal, porque isso tem custos elevados.

 

P.M. – Esta situação é, portanto, ilegal?

Y.U.K.I. – Aparentemente sim, mas isso teria de ser um tribunal a confirmar. Se usam o nosso repertório e não têm a nossa autorização, é uma infração da lei de direitos de autor de Macau.

 

P.M. – E recebem queixas internacionais?

Y.U.K.I. – Sim, muitas.

 

P.M. – Editoras internacionais, por exemplo, ameaçam levar o caso a tribunal?

Y.U.K.I. – Elas querem que nós levemos o caso a tribunal, mas não temos muitas condições financeiras atualmente para tal. Talvez no próximo ano tenhamos mais rendimentos se conseguirmos acordos com mais uma ou duas operadoras de jogo.

 

P.M. – A maior parte dos casinos está então também a usar música sem pagar direitos de autor?

Y.U.K.I. – Sim. Para já, temos apenas um acordo com uma operadora de jogo, a Melco Crown, para a utilização de música e pagamento de direitos de autor. Este acordo foi estabelecido em maio e a empresa vai pagar também um certo montante referente à utilização de música no passado.

A Venetian também já pagou direitos de autor em relação a alguns concertos que organizou, mas não de todos. É que em relação a concertos que têm lugar em Macau, os direitos têm de ser pagos à MACA, que transfere depois o pagamento para as sociedades dos países de onde são os detentores dos direitos. À exceção da Melco Crown, nenhuma outra operadora pagou ainda direitos de autor em relação à música de ambiente que utiliza.

Penso que ainda estamos a dar os primeiros passos nesta questão dos direitos de autor em Macau, porque a nossa associação tem apenas cinco anos. A sociedade de Hong Kong tem, por exemplo, 35 anos, a do Japão 75 anos e a britânica tem mais de 100 anos. A maior parte deste tipo de organizações enfrentou o mesmo problema quando começou, mas o Governo de Macau está a tentar desenvolver as indústrias criativas e julgo que isto é positivo, apesar de não ser fácil, porque Macau tem uma história de mais de quatro séculos, mas ainda não tinham sido cobrados direitos de autor e agora fazê-lo não é fácil.

 

P.M. – E as outras operadoras de jogo, o que vos têm dito?

Y.U.K.I. – Todas sempre disseram que iam pagar, mas até agora a maior parte ainda não pagou nada. Elas sabem que têm de pagar, mas agem como se não soubessem, talvez estejam à espera de uma ação legal. Tenho a certeza que se formos a tribunal, elas pagam, mas isso implicaria muitos custos para nós. Mas acredito que um dia vão pagar, talvez nos próximos cinco anos. Nós não estamos sequer a cobrar o valor que provavelmente gastam em papel higiénico. Assinámos este ano o primeiro acordo com a Melco e há um outro que estamos quase a fechar com a Venetian e que julgo podermos vir a fazê-lo até ao fim do ano.

 

MAIOR PARTE DA MÚSICA USADA É INTERNACIONAL

P.M. – A associação fica com alguma percentagem dos direitos de autor?

Y.U.K.I. – Somos uma associação sem fins lucrativos, portanto apenas descontamos custos administrativos e tudo o resto vai para os compositores e autores.

 

P.M. – E qual a percentagem paga aos artistas locais em direitos de autor?

Y.U.K.I. – No início não recolhíamos um grande valor em direitos de autor, por isso, a percentagem de custos administrativos era muito alta. No primeiro ano da nossa atividade, tínhamos receitas apenas derivadas dos concertos do Festival Internacional de Música de Macau. Depois, em 2010, começámos a receber direitos de autor relativos à utilização de música por lojas. Hoje temos acordos com cerca de 300 lojas em Macau, o que representa cerca de 80% deste mercado. Porque a maior parte das lojas são de Hong Kong ou de outras partes do mundo e sabem já como lidar com as questões de direitos de autor. Hoje temos apenas acordos com o Governo, lojas e uma operadora de jogo.

Em 2013, recolhemos em direitos de autor cerca de dois milhões de patacas, dos quais cerca de 40% foram pagos aos compositores e autores internacionais e 15% aos locais. E 10% do valor dos direitos de autor que recolhemos foi para um Fundo Musical que criámos em 2010, através do qual doamos todos os anos a 24 escolas secundárias do território cerca de 40 mil patacas a cada para premiarem os seus melhores alunos de música.

 

P.M. – Este ano julgam conseguir angariar mais de dois milhões de patacas em direitos de autor?

Y.U.K.I – Sim, prevemos conseguir aumentar as receitas talvez em 50% por causa do acordo com a Melco Crown.

 

P.M. – Qual a origem da maior parte da música usada em Macau?

Y.U.K.I – Sobretudo de Hong Kong, Taiwan e China continental, porque a maior parte dos consumidores são chineses. Por isso, era bom que os casinos pudessem passar mais música local para que os músicos locais pudessem obter maior rendimento da utilização da sua música, porque os casinos utilizam música 24 horas por dia sem parar. Então era uma boa oportunidade para os músicos locais e também se os casinos tivessem mais concertos de bandas locais, porque em Macau tudo depende dos casinos.

 

REVOLUÇÃO DIGITAL

P.M. – Porque existe resistência ao pagamento de direitos de autor?

Y.U.K.I.. – Não é fácil cobrar direitos de autor, porque as pessoas acham que a música é como o ar e que não é preciso pagar por ela. Espero que possamos contribuir para que as pessoas compreendam que a música é propriedade intelectual, é como uma casa, tem dono, pois caso contrário deixará de haver músicos.

Estamos a assistir a uma revolução da Internet, há muitos artistas comerciais de Hong Kong que não estão a lucrar muito e há compositores e artistas independentes que estão a aumentar as vendas na Internet. Eason Chan, o mais famoso cantor de Hong Kong, vendeu apenas 900 cópias do seu último álbum.

O mercado chinês também é controlado pela Internet, mas lá estão a usar diferentes plataformas próprias como o Baidu. E se conseguirmos entrar nesse sistema, penso que há muito boas oportunidades para os músicos.

Estamos a trabalhar com o Comité da Ásia Pacífico da CISAC no campo digital dos direitos de autor e os objetivos são muito altos. Já temos um acordo com o iTunes, pois as vendas de música na Internet já aumentaram 70%, por isso vemos que o mercado está a virar-se para o digital. Mas este mercado é muito difícil de controlar.

 

P.M. – E Macau o que pode fazer para desenvolver uma indústria de música?

Y.U.K.I. – Macau, que é um território pequeno, poderá ter espaço na era digital. Mas temos de aumentar antes de mais a qualidade da música que é aqui feita, porque o nosso concorrente será o mundo inteiro. Hoje não há sequer um estúdio qualificado na cidade, esperamos que o Governo possa apoiar isto. Depois temos de gerir a questão dos direitos de autor. São ainda precisos músicos que trabalhem nesta área em full-time, porque a maior parte das pessoas trabalha nos casinos. Temos talentos, mas eles não têm tempo para desenvolver as suas competências. Na música clássica temos muitos músicos bons, mas na música pop temos alguns talentos, só que comparando com os territórios vizinhos temos ainda muito espaço para melhorias.

Em Macau não há muita cultura musical, isto é também em parte responsabilidade do Governo. Na Coreia, por exemplo, a aposta nas indústrias criativas começou há uns 20 anos e o Governo investiu muitos recursos, tal como no Japão. O problema é que os empresários preferem investir em imobiliário, ninguém investe num estúdio ou em artistas. Por isso, o Governo deve investir mais nas indústrias criativas e se o fizer, por exemplo, nos próximos dez anos, penso que haverá grandes mudanças, pelo menos ajudando a pagar rendas e salários, que são neste momento os custos mais elevados, mas não é fácil desenvolver as indústrias criativas, porque a concorrência de outros países é forte.

 

Patrícia Neves

 

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