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COMO SE ESCREVE GAZA EM PORTUGUÊS?

 

Brasil e  Timor-Leste são as exceções no silêncio envergonhado com que os demais países lusófonos enfrentam o massacre na faixa de Gaza. E, confima-se, o bloco é um “anão diplomático”.

 

Ao fim de dois meses, já morreram mais de 1800 palestinianos, a maioria civis, e 66 israelitas, dos quais dois soldados, em consequência de confrontos entre Israel e o Hamas. Em Gaza, é a população civil que tem sido martirizada pelos ataques e, no último domingo, o exército de Israel bombardeou, mais uma vez, uma instalação da ONU, devidamente identificada como tal, matando pelo menos 10 civis. De imediato, o secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki Moon, considerou o ataque como “um ato criminoso”, mas foi como que uma voz no deserto.

Mais de 24 horas depois, não eram conhecidas reações do bloco lusófono, entre os quais se contam o gigante brasileiro, o candidato angolano a um lugar não permanente no conselho de segurança da ONU, o “bom aluno” da União Europeia, o antigo amigo internacionalista moçambicano e outros países de menor expressão mas que devem a  sua existência à solidariedade internacional como a Guiné-Bissau e Timor-Leste. Na verdade, desde que esta guerra começou, em meados de junho, que a maioria dos países da lusofonia e a sua organização principal, a CPLP, não fazem outra coisa do que assobiar para o lado.

A última vez que se ouviu uma posição de Portugal sobre o atual conflito foi no dia 11 de julho – o da final do Campeonato Mundial de Futebol – quando o ministro dos Negócios Estrageiros, Rui Machete, aproveitou uma sessão sobre o Golfo da Guiné para, salomonicamente, dividir as culpas. Machete considerou, então, que há problemas graves de desproporcionalidade na reação por parte dos israelitas, mas sublinhou que as ações do Hamas também devem ser condenadas por violarem direitos fundamentais, e que uns e outros têm cometido violações.

Na ocasião, o governo português apelou à contenção e à procura de vias para “cessar rapidamente” o atual conflito violento, defendendo que as partes procurem minimizar as ações e se encaminhem para o diálogo. Como era de esperar, ninguém deu ouvidos a esta vaga proposta, e Portugal não voltou a falar no assunto.

 

BRASIL E ISRAEL EM COLISÃO

O conflito entre Israel e o Hamas, nomeadamente o desproporcionado uso de força por parte de Telavive, que tem incidido, sobretudo, sobre a população civil palestiniana, fez estalar o verniz nas relações diplomáticas entre o Estado judeu e o Brasil.

Contrariamente ao exemplo português, de declarações vagas, avulsas e informais no intervalo de uma reunião, o Ministério das Relações Exteriores do Brasil chamou o seu embaixador em Telavive e já emitou duas notas oficiais sobre o assunto. E a Presidente Dilma Roussef classificou como “um massacre” a ofensiva israelita em Gaza. A dureza destas posições provocou a inusitada reação israelita de acusar o Brasil de ser “um anão diplomático”.

A 27 de julho, num comunicado de imprensa, o Ministério das Relações Exteriores do Brasil afirmou que o Governo brasileiro considerava “inaceitável a escalada da violência entre Israel e Palestina”. “Condenamos energicamente o uso desproporcionado da força por Israel na Faixa de Gaza, do qual resultou elevado número de vítimas civis, incluindo mulheres e crianças”, lê-se no comunicado do Itamaraty.

“O Governo brasileiro reitera o apelo a um imediato cessar-fogo entre as partes”, acrescentava-se na nota, salientando-se que “diante da gravidade da situação”, Brasília votou favoravelmente a resolução do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas sobre o tema, adotada da última semana, com os votos de 29 nações.

“Desde o início, o Brasil condenou o lançamento de foguetes e morteiros contra Israel e reconheceu o direito israelense de se defender. No entanto, é necessário ressaltar nossa mais veemente condenação ao uso desproporcional da força por Israel na Faixa de Gaza, do qual resultou um elevado número de vítimas civis, incluindo mulheres e crianças”, acusou Dilma, no dia 28 de julho, durante uma reunião do Mercosul realizada em Caracas.

Em resposta, Israel usou de toda a artilharia, como de costume. “Essa é uma demonstração lamentável de porque o Brasil, um gigante económico e cultural, continua a ser um anão diplomático”, disse o porta-voz do ministério israelita, Yigal Palmor, em entrevista ao jornal The Jerusalem Post.

“O relativismo moral por trás dessa atitude faz do Brasil um parceiro diplomático irrelevante, que cria problemas ao invés de contribuir para solucioná-los”, acrescentou Palmor.

O Brasil ripostou e não concedeu a habitual medalha com que são presentados os diplomatas que cessam funções ao embaixador israelita Rafael Eldad, de partida de Brasília.

Ao lado das posições brasileiras de repúdio ao “uso desproporcionado de força” por parte de Israel, colocaram-se outros países da região, como Argentina, Venezuela, Bolívia e Equador, bem como o Mercosul.

 

TIMOR-LESTE DEFENDE A PALESTINA

Timor-Leste manteve silêncio sobre o ataque de domimngo a um edifício da ONU, mas, antes, o  governo de Díli tinha condenado a intervenção militar israelita na Faixa de Gaza e manifestado o seu apoio à iniciativa da Liga Árabe para implementar um cessar fogo.

“Timor-Leste defende convictamente o Estado e o povo palestiniano e apoia o apelo do Presidente da Autoridade Palestiniana, Mahmoud Abbas, bem como da Liga Árabe através da iniciativa do Presidente do Egipto, no sentido de implementar um cessar fogo imediato”, referiu um comunicado do Ministério dos Negócios Estrangeiros timorense.

No documento apelou-se a uma “condenação firme da intervenção militar de Israel pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas uma vez que o conflito apenas contribui para o aprofundamento do sofrimento do povo palestiniano, sobretudo entre mulheres e crianças inocentes”.

“Fundamentado no primado da Lei internacional e na solidariedade humana, Timor-Leste defende a coexistência pacífica entre os dois Estados e apela, ainda, a todos os países que defendem a paz, a liberdade, a democracia, a justiça e o respeito pelos direitos humanos para defenderem o diálogo como mecanismo internacional de salvaguarda dos direitos soberanos dos Estados e dos povos”, acrescenta o executivo.

MANIFESTAÇÃO EM MAPUTO E SILÊNCIO DO GOVERNO

Na última semana, milhares de pessoas manifestaram-se em Maputo, capital de Moçambique, em solidariedade com o povo palestiniano, e contra “os ataques perpetrados por Israel aquele Estado”. Em contraste com esta manifestação, uma das maiores do ano, o governo da Frelimo manteve-se em silêncio, que é, aliás, como tem estado desde o início do conflito.

“Nós devemos seguir os ideais de Samora Machel, não em palavras, mas também em ações. Hoje, temos um governo que se diz democrata, livre e não está aqui. Isso me dá a entender que é um ramo de Israel”, acusou Alice Mabota, presidente da Liga dos Direitos Humanos de Moçambique.

Após ter chegado ao poder, em 1975, o governo da Frelimo, então liderado por Samora Machel, desenvolveu uma ativa política de solidariedade para com povos e regiões oprimidas, apoiando sem rodeios o ANC e a ZANU-PF, contra, respetivamente, o apartheid na África do Sul e o governo de minoria branca na então Rodésia, e mesmo causas travadas em locais mais longínquos, como em Timor-Leste e no Saara Ocidental.

Hoje, com a Frelimo ainda no poder, a Palestina continua a ter uma embaixada em Maputo, o que não sucede com o Estado judeu, que, no entanto, está presente nos crescentes negócios no país.

“A Frelimo dos guerrilheiros da libertação considerava  os palestinianos camaradas de armas. A Frelimo dos empresários, provavelmente com o rabo preso em relação a Israel, cala-se e cala o seu Governo”, acusou o veterano jornalista Machado da Graça, num artigo de opinião puiblicado na última semana no semanário Savana.

O silêncio tem sido comum a Angola, candidato a um assento não permanente no conselho de segurança da ONU. No entanto, a Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC), a organização regional a que Angola e Moçambique pertencem, condenou Israel pelos seus ataques contra os palestinianos na Faixa de Gaza e exigiu uma investigação independente “às atrocidades” ali cometidas.

A 27 de julho, num comunicado, o comité de segurança e defesa da SADC, composto por Lesoto, Tanzânia e Namíbia, condenava “o evidente e desproprocionado ataque contra palestinianos na Faixa de Gaza pelo Estado de Israel que resultou nas mortes e no sofrimento de indefesos civis palestinianos, na maioria, mulheres, crianças e idosos”.

 

Luis Andrade de Sá

 

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