Pedro Pereira Leite * – A RELEVÂNCIA DOS MUSEUS DE MACAU PARA A REDE DE MUSEUS DA LUSOFONIA

por Arsenio Reis

 

Os museus como espaço de encontro constituem um dos mais relevantes desafios aos museus no nosso tempo. A cidade de Macau, com os seus vinte e um museus e espaços de memória constitui um espaço da maior relevância neste encontro entre o oriente e o ocidente. Um encontro que advêm da partilha de heranças e memórias comuns. Este texto propõe, a partir duma reflexão sobre os espaços museológicos de Macau, a constituição duma rede de encontro e reflexão que integre dos profissionais de museus dos países e comunidade lusófonas.

No seio do ICOM – Internacionl Council of Museums tem-se vindo a valorizar os processos de relação entre os profissionais e museus que mostrem o grande potencial que existe no reconhecimento da diversidade na construção do progresso e do bem-estar entre os povos do mundo.

Um dos elementos que favorece o encontro da diversidade é o uso de uma ferramenta de comunicação comum. A valorização destas heranças comuns, que se concretizam no uso do português, transforma-se numa ferramenta de reconhecimento da identidade. A enunciação dos discursos transporta consigo os sons das heranças. O Português é hoje no mundo uma forma de expressão de milhões de seres e assume, na sua diversidade formas de enunciação do mundo que enriquecem os processos de encontro. Falta no entanto, no mundo dos museus, um canal que permita estabelecer relações mais fluidas e constantes entre os profissionais dos diferentes lugares de memória. Verifica-se a ausência de rede de comunicação inter pares, tal como tem vindo a suceder noutras áreas profissionais.

A reunião em Lisboa, em setembro de 2011 do VI encontro de Museu de Países e comunidades de língua portuguesa constituiu um primeiro passo para a criação dessa rede que importa ampliar.

Neste encontro de Lisboa estiveram pela primeira vez reunidos, para além dos profissionais de museus dos países da CPLP, profissionais de comunidade que usam o português como instrumento de comunicação. Essa abertura permitiu que nele estivessem representadas diversas comunidades que partilham essa herança comum representada pela língua.

A reunião permitiu igualmente o encontro e a partilha de experiencias entre os profissionais de museus. Uma partilha que permite criar laços entre pessoas, instituições e processos, que se constituem muitas vezes como elementos catalisadores de experiencias inovadoras nos diferentes lugares.

O encontro de Lisboa constitui um primeiro embrião duma rede de profissionais de museus da lusofonia que permitirá consolidar os processos de troca e encontro entre os profissionais. Uma rede que tarda em consolidar-se e em concertar os interesses dos atores na relevância dessa plataforma com instrumento de comunicação entre profissionais.

A Região Administrativa de Macau esteve representada neste encontro por Chan I Un, conservadora do Museu Marítimo de Macau. Chan, ou Jessica como pediu que a referissem, mostrou na sua intervenção1 a relevância dos museus de Macau para o reconhecimento da sua herança. Os benefícios destes espaços de memória são importantes, quer para os naturais da cidade, quer para os seus novos habitantes que aí encontram espaço para construir as suas vidas. Segundo Chan, os museus de Macau constituem um dos elementos desse encontro entre as heranças do passado e a construção do presente.

Um dos desafios aos museus de Macau, como espaços de encontro entre as heranças do território e os serviços que podem prestar à comunidade no presente encontra-se na gestão das suas memórias. Os vários museus que existem, e não será fácil contabilizar o seu número, são eles próprios uma herança do passado. Na sua maioria são criados entre meados dos anos oitenta e a transição da administração do território para a Republica Popular da China em 1999.

Foram tempos de grandes investimentos em infraestruturas e equipamentos. A construção de obras públicas levou a criação de uma forte dinâmica de modernização no território que criou a perceção de que a tradição se estava a perder. Essa perceção da mudança, que induz à consciência da perda de elementos patrimoniais, traduz-se numa vontade de conservação, que leva à produção de narrativas e coletas sobre os elementos essenciais do que se presente sobre o que se está a transformar. Não se estranha portanto que vários equipamentos museológicos, quer de natureza pública, quer de natureza provada tenham surgido, mostrando uma leitura sobre um mundo em mudança.

Essa diversidade de equipamentos leva à dificuldade de distinção entre o que se pode ou não classificar como museu. Na verdade entre a definição do ICOM, em que um museu “é uma instituição permanente sem fins lucrativos, ao serviço da sociedade e do seu desenvolvimento, aberta ao público, que adquire, conserva, investiga, comunica e expõe o património material e imaterial da humanidade e do seu meio envolvente com fins de educação, estudo e deleite”, e a simples galeria de exposições com a apresentações de objetos curiosos, passando pelos parques de ciência e espaços naturais, quase todo o espaço visitável pode ser incluído na categoria de museu.

Uma dificuldade que aumenta quando se considera, por exemplo, que uma das componentes da função social dos museus é estar ao serviço das atividades turísticas. A integração dos equipamentos culturais nos circuitos e rotas turísticas tem vindo a ser considerado uma das formas de aumentar a utilidade social dos museus.

O consumo e os processos de gestão dos equipamentos culturais, sobretudo os museológicos, têm vindo a ser muito relacionados com os processos de produção do lazer e do turismo. Esta tem sido considerada uma das formas de valor de usos dos espaços.

Esse uso social também induz uma pressão muito forte para que as atividades dos museus apresentem um serviço à comunidade através da organização de exposições que aumentam a atractibilidade do espaço. As novas tecnologias, por exemplo, tem vindo a propor novos processos narrativos para a construção de exposições. Exposições temporárias, que podem ser partilhadas em redes e que acabam em muitos casos por se constituir em alternativas às exposições de longa duração.

No caso de Macau, dos seus museus e na sua relação com a comunidade, todas estas questões levantam uma óbvia necessidade de resolução da questão da gestão da sua memória coletiva em função dos novos tempos. Sendo certo que estes equipamentos transportam uma visão desse passado, que no presente se quer assumir como herança, também é necessário que estas narrativas assumam a modernidade e a inovação do novos tempos. Uma modernização das narrativas que incluam agora o novo posicionamento das comunidades, assegurando a manutenção das suas heranças, e assumindo a construção da inovação.

É nesse sentido que assume espacial relevância a participação dos profissionais de museus de Macau, numa rede de profissionais de museus da lusofonia. O caso de Macau, onde as memórias se cruzam entre a tradição e a modernidade é uma questão essencial para assumir o museu como espaço de encontro.

Assumir a rede como local e espaço de encontro entre profissionais e instituições de memória, permitirá, por um lado manter essa ligação aos processos de herança que são comuns, ao mesmo tempo, que a partir do reconhecimento da modernidade, vem introduzir nessa rede o seu contributo para a especificidade dessa herança. Uma herança que é construída a partir do mundo chinês.

A rede de profissionais de museus da lusofonia poderá responder, a partir do seu encontro a questões s sobre quem somos, o que queremos fazer, como o queremos fazer e como o podemos fazer juntos. A participação dos museus de Macau nesta rede pode ser um contributo relevante para construir um olhar sobre o trabalho de mediação entre os objetos museológicos e patrimoniais, como os visitantes e com o território onde se inserem.

 

1 Chan I Un (2012). “Museu, Desenvolvimento e Comunidade: o caso de Macau” in Atas do VI Encontro de Museus e Comunidades de Países de Língua Portuguesa, Lisboa, Edição ICOM –Portugal, pp 195-20

*Museólogo (Ph.D) – ICOM Portugal

([email protected])

 

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