Luís Andrade de Sá – F, DE FRONTEIRA

por Arsenio Reis

 

Enquanto dizem que o mundo se torna numa aldeia global, o preconceito contra o outro não para de crescer, dos bairros de lata do Soweto às dachas da Estónia, do Parlamento Europeu, esse espaço que, ao som de uma sinfonia clássica, se imagina a si próprio como culto, às bancadas dos estádios de futebol, de uma livraria de Hong Kong, que ostenta livros anti-homossexuais, a um bloco de apartamentos exclusivos em Nova Iorque, com entradas separadas para moradores ricos e menos ricos.

Indiferente ao preconceito, um fortissimo terramoto arrasou o Haiti, em 2010, sem olhar a classes sociais nem a padrões de arrendamento. Mas esse nivelamento foi de pouca duração, e com a reconstrução tudo voltou ao lugar. “O rico fica aqui, o pobre fica ali. Este é o Haiti que eu sempre conheci”, explicou a escritora haitiana Katia Ulysse, que acaba de lançar “Drifting”, uma ficção sobre os efeitos do terramoto num país que regressou às antigas demarcações, porventura ainda mais acentuadas. Em morte ou na vida, os bárbaros querem-se para lá da última fronteira.

Mas não é bem isso o que acontece em Londres e Nova Iorque, duas cidades governadas pelo centro direita. Ali, por imposição camarária, edifícios exclusivos para os muito ricos têm que incluir apartamentos acessíveis para os outros. Uma chatice rapidamente contornada pelos imaginativos empreendedores imobiliários, com a imposição de entradas separadas para que os diferentes estratos não se misturem. Os autarcas ameaçam ripostar mas, até lá, mesmo as caixas de correio e os depósitos de lixo são “diferenciados”.

Mais notícias da fronteira. No Facebook, mulheres e namoradas de soldados israelitas exibem os seus seios, como encorajamento aos homens que combatem o Hamas, e qualquer civil que se mexa na Faixa de Gaza, e, dizem os jornais, essa era uma das páginas mais seguidas pelos palestinianos até ser trancada. Na vida real, o Bank of America anunciou um serviço low-cost para os pobres, depois de os ter arruinado, desempregado e despejado das suas miseráveis casas. Perguntado se se considerava um homem rico, Tony Bair respondeu:”Como assim, se eu só tenho 20 milhões?”.

Para os que se recordam, no tempo dos telexes, surgia de vez em quando uma frase misteriosa: “The quick brown fox jumps over the lazy dog”. Traduzindo: camarão que dorme, a onda leva.

 

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