Paulo Rego – SEM SAL NEM PIMENTA

por Arsenio Reis

 

Muito se especula em Macau sobre a hipótese, à última da hora, de ainda surgirem candidatos que desafiem a aparente hegemonia de Chui Sai On, cujo segundo mandato como Chefe do Executivo estará decidida por via das negociações de bastidores entre oligarquia local e o Governo Central. Consenso, esse, tradicionalmente vertido na “vontade” do colégio eleitoral. Já haverá pelo menos mais dois nomes perfilados, garantem algumas fontes, depois de Jorge Neto Valente – proeminente advogado português, que adotou a nacionalidade chinesa – ter levantado um boletim de candidatura, sem especificar com que intenção: se por mero número mediático, para uso próprio ou para propor alguém.

As hipóteses teóricas de candidaturas inesperadas são duas: ou alguém estará disposto a vestir a pele de uma oposição consentida, permitindo que o líder clame vitória contra alguém e projete a ideia de que o sistema patrocina o combate político – tal como fez Stanley Au quando “desafiou” Edmund Ho – ou então haverá forças ainda por revelar que acreditam verdadeiramente no valor do confronto de ideias. Mesmo que não seja para ganhar, pelo menos para assumir o combate político.

É mais provável a primeira hipótese, embora a segunda fosse mais saudável e profícua. O manifesto eleitoral de Chui Sai On é politicamente pobre porque pode ser mesmo assim. Ou seja, não tem de se sobrepor a outros nem convencer ninguém. O problema é que uma cidade em profunda mutação precisa de indicadores de modernidade, de um contrato social mais justo, de uma ideia de futuro e de sinais claros para que os agentes económicos e a população em geral percebam os caminhos possíveis da diversificação económica, da integração regional e do papel da RAEM na internacionalização da China, sobretudo por via dos contactos com o mundo lusófono.

No fundo, falta o desenho de uma sociedade de serviços capaz de conjugar os seus objetivos, para além da ausência de um quadro estratégico de renegociação das concessões/subconcessões de jogo – que é de onde vem e continuará a vir o grosso da receita – que não se reduza a uma simples renegociação dos contratos e consequente percentagem de impostos.

Nada do que é essencial faz parte do discurso eleitoral de Chui Sai On. Sendo ele o eleito para suceder a si próprio, segue a velha tese segundo a qual tudo o que disser ou fizer ainda pode ser usado contra ele. Por isso não se compromete com nada. Pode até ser politicamente inteligente, mas assim também não ilumina o caminho a ninguém. E essa é a função vital do “mandarim”. Numa cidade tão pequena e dependente dos negócios da Administração e dos operadores de jogo, é difícil encontrar nomes credíveis dispostos ao combate político. Compreende-se… Mas é pena. Não havendo alternativas, a discussão na Assembleia Legislativa – também ela pobre e condicionada – ou as manifestações de rua são claramente insuficientes para a construção de uma sociedade civil madura. Se não há pressão para se fazer mais e melhor perdem todos: a cidade em geral, as pessoas, e a própria qualidade do Executivo.

Não havendo um sistema democrático em Macau há contudo espaço teórico para a luta política. O que não há, na prática, é coragem e interesse para que ela se produza para além das forças assumidamente anti-sistema. Porque é mais forte o sistema de compromissos que ata agentes económicos e políticos uns aos outros. E essa é a primeira mudança de paradigma que é necessária no chamado aprundamento do sistema político. O debate faz muita falta, seja qual for o sistema eleitoral em vigor, sejam quem forem os vencedores. Vencer sem debate é uma vitória sem sal nem pimenta.

E também não é com debates fictícios que o futuro terá mais sabor.

 

 

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