Luís Andrade de Sá – PÁTRIAS IMAGINÁRIAS

por Arsenio Reis

 

Falando a brincar de uma coisa a sério: sempre que ouço dizer que a minha pátria é a língua portuguesa, apetece-me ser marciano. Era só o que faltava.

E no entanto…como muitas vezes acontece são estas frases ocas que se tornam na espuma de uma obra ou de um pensamento, e Fernando Pessoa é assim reduzido a expressões inconsequentes, que não resistem a uma segunda leitura. Como notou, mordaz, o grande antilusofonista Alfredo Margarido, Pessoa, ou Bernardo Soares, o autor desse conceito pátrio-linguístico, publicou o seu primeiro poema em inglês e morreu no Hospital dos Franceses. Mas a verdade é que o chavão que criou foi alegremente apropriado pelo Estado Novo e pela democracia, tanto pelo colonialismo como pelos atuais lusofonistas e europeístas. Todos eles imbuídos do sonho de um império que, não podendo ser alicerçado pelas armas ou na economia, se fundisse numa língua comum.

É preferível, pois, contrapor à ideia de língua geradora de uma suprapátria, a versão de uma língua comum libertadora, sem mandatários e que serve para reforçar as diferenças, como no poema “Ao meu belo pai, ex-imigrante”, do moçambicano José Craveirinha. “E na minha rude e grata/ sinceridade filial não esqueço/ meu antigo português puro/ que me geraste no ventre de uma tombasana/ eu mais um novo moçambicano/ semiclaro para não ser igual a um branco qualquer/ e seminegro para jamais renegar/ um glóbulo que seja dos Zambezes de meu sangue”.

A língua libertadora é, aliás, uma presença incontornável na ação e nos discursos de grandes líderes da emancipação das antigas colónias portuguesas, como Cabral, Machel e Neto. Muitas décadas depois, já neste século, ela será retomada pela liderança timorense – Xanana, Horta e Alkatiri – para servir, novamente, e ao lado do tetum, como um traço de unidade nacional, perante o poder do ba’hasa indonésio. Como antes fora, em Moçambique, por exemplo, a maneira mais fácil de explicar ao povo a continuidade territorial do Rovuma ao Maputo.

Hoje, o governo moçambicano pode orgulhar-se dos êxitos que alcançou na educação, e que constituem uma das raras promessas do pós-independência que foram cumpridas. Num grande esforço nacional, e em condições muito precárias, milhões de crianças aprendem em todo o país, em aulas lecionadas em português, muitas vezes naquilo que é o seu primeiro contacto com a língua oficial de Moçambique. E, ao contrário do que muitos defendem – e ainda recentemente publicámos uma dessas opiniões – é a aprendizagem em português que garante igualdade de condições aos falantes dos múltiplos dialetos do país. Mas isso não faz da língua a pátria de ninguém.

 

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