PRIVADOS AINDA NÃO ACORDARAM PARA AS INDÚSTRIAS CRIATIVAS

por Arsenio Reis

 

Entre o setor privado de Macau ainda não há um entendimento de que vale a pena investir nas indústrias criativas, lamentam especialistas, considerando que é preciso ultrapassar “equívocos” e que, até lá, o Governo deve assumir o papel principal de impulsionamento do setor.

 

Quando era responsável pela política cultural do município de Macau, António Conceição Júnior propôs à administração portuguesa a fundação de um Centro de Criatividade, que fizesse convergir para o território “alguma da inteligência criativa do sudeste asiático para que, com o potencial criativo local, desenvolvesse e explorasse novas linguagens criativas (…) e as desenvolvesse a nível empresarial”. A ideia era tirar vantagem das condições socioculturais únicas de Macau para desenvolver o setor terciário da economia como uma mais valia complementar à produção da China. “Não foi entendido como necessário”, constatou em declarações ao Plataforma Macau.

Estávamos na década de 90 e “Portugal não tinha qualquer estratégia para Macau”, recorda o artista.

Cerca de 20 anos depois, e com o território sob administração chinesa, as ideias de Conceição Júnior parecem começar a ganhar forma com a política de diversificação económica do Governo local. Os primeiros passos estão a ser dados, mas o mercado está ainda longe de conseguir transformar a criatividade em verdadeiras indústrias, observam especialistas.

“O setor empresarial de Macau é demasiado conservador e suficientemente desconhecedor para compreender a verdadeira natureza das indústrias criativas”, aponta Conceição Júnior. Margarida Saraiva, com trabalho desenvolvido na Europa e na Ásia nas artes e cultura, também observa que “não há um entendimento da parte dos privados de que este é um setor em que valha a pena investir”.

Esta situação, segundo Conceição Júnior, decorre de “uma certa confusão quanto ao que, em Macau, se vai entendendo por indústrias criativas”, constatando a existência de um “conjunto mais ou menos alargado de equívocos”. O artista lamenta que a face “mais visível” das chamadas indústrias criativas de Macau esteja limitada a “souvenirs e coisas do género”. “Claro que estão a acontecer outras coisas como, por exemplo, na moda, mas não numa escala que justifique chamar-se-lhe indústria”, defendeu.

Margarida Saraiva esclarece: “O objetivo em termos de indústrias criativas é que as empresas possam ser lucrativas e afirmar-se no mercado com alguma autonomia”.

Para que as indústrias criativas ganhem, portanto, o potencial de criação de riqueza e emprego, “há que ultrapassar os equívocos” antes de mais, de acordo com Conceição Júnior, e os privados precisam de estar “suficientemente elucidados e possuir alguma cultura que lhes permita compreender o que é isso das indústrias criativas”.

O artista sustenta a sua tese, traçando um retrato da realidade local. No campo da arquitetura, “imagina-se que algum construtor de Macau estará interessado em permitir ‘devaneios’ a arquitetos na construção de habitação?”; nas artes “reina generalizadamente uma enorme incultura”; e no audiovisual, “os media não produzem conteúdos em quantidade para justificar uma comercialização”.

Para Margarida Saraiva, diretora artística da Babel – Organização Cultural, nesta fase de arranque das indústrias criativas é imprescindível o “apoio do Governo”.

“O papel do Governo será o de criar condições para a emergência de verdadeiras indústrias e tudo isso passa por uma política geral”, indica Conceição Júnior, sublinhando que “falta acima de tudo um intensivo processo de esclarecimento de todas as partes sobre o que são verdadeiramente as indústrias criativas”.

 

MERCADO SEM ESCALA

Conceição Júnior propõe a criação de clusters e a educação de investidores e bancos sobre as indústrias criativas, mas enquanto o setor privado continua adormecido, “tem de caber à sociedade civil o arranque de projetos aos quais o Governo poderá dar apoio, desde que credíveis”.

O cinema e a moda são as áreas que, para Margarida Saraiva, poderão “ter mais impacto em termos de retorno económico”, mas o problema do desenvolvimento das indústrias criativas em Macau reside na falta de dimensão ou de escala de mercado, acrescenta Conceição Júnior.

“Existem publicações de luxo que se casaram muito bem com a indústria do jogo e aí temos um setor que não precisou do Governo para nada”, mas já as edições de teor cultural “não são viáveis economicamente” e necessitam de apoios a “nível de redes e cadeias de distribuição em mercados exteriores falantes de português ou chinês”, diz o artista.

Segundo Frank Lei, diretor do Armazém do Boi, “Macau ainda não tem mercado para os artistas conseguirem viver do seu trabalho”. “Como atrair público é uma das questões principais”, refere.

As indústrias criativas, como outras, “não podem operar fechadas sobre si mesmas”, alerta Margarida Saraiva, defendendo um salto para parcerias internacionais. O papel de Macau como plataforma entre a China e a lusofonia “é fundamental” dada a dimensão desses mercados, aponta, no entanto, a sua exploração no âmbito das indústrias criativas “ainda não é uma prioridade e poderia efetivamente ser”.

Esta especialista sugere, por exemplo, um intercâmbio de conhecimento e talentos entre Macau e os países lusófonos, “tanto no domínio da formação como numa perspetiva mais comercial”, nomeadamente no campo da produção televisiva e da moda.

 

TALENTOS PRECISAM-SE

Christine Hong, presidente da associação cultural Yun Yi, considera que Macau tem capacidade de desenvolver as indústrias criativas “porque é um local único, tem muito dinheiro por causa dos casinos e porque estes criaram espaço para o crescimento dos criativos”, mas sublinha a necessidade de cultivar talentos.

“O Governo devia investir mais no ensino superior, porque quanto mais cedo os jovens perceberem a importância e oportunidades das indústrias criativas melhor e, depois de o mercado amadurecer, os privados poderão ter um papel mais importante com a criação de empresas, geração de emprego e contratação de talentos locais”, disse.

Frank Lei realçou, também em declarações ao Plataforma Macau, o facto de Macau “não ter ainda bons criativos suficientes” e de precisar de apostar na sua formação, nomeadamente no exterior.

Um estímulo às indústrias criativas é o novo fundo que “poderá permitir que algumas ideias inovadoras consigam dar o salto e estabelecer-se no mercado”, segundo Margarida Saraiva. No entanto, Christine Hong chama à atenção de que esta “é uma área em que o Governo não é especializado, por isso talvez precise de consultar outros territórios com mais experiência na matéria”, devendo ainda analisar os resultados obtidos.

Do lado do setor privado, a diretora artística da Babel considera que os casinos “vieram alargar o mercado” com a realização de eventos, mas a presidente da Yun Yi defende que podiam também criar mais emprego em áreas criativas.

Mais espaços para o crescimento e promoção do trabalho de criativos são precisos, diz o presidente da Sociedade de Artistas de Macau, Lai Ieng, para quem o “Governo deve liderar a indústria até o mercado ser capaz de funcionar por si”.

 

Patrícia Neves

 

 

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