Luís Andrade de Sá – DIÁLOGOS REDONDOS

por Arsenio Reis

 

Agora que acabou o Mundial podemos recomeçar a falar de futebol. De como serão estes 15 dias que faltam até ao próximo jogo, o que faremos para sobreviver.

Uma boa maneira de resistir ao vazio é prestar atenção às máquinas e ao que elas nos dizem. Conheço elevadores que são mais eloquentes do que muitos porteiros, sem precisarem, sequer, de afivelar aquele olhar impestanejável que não vê que na porta está há horas uma velhinha com um garrafão de água do Lilau. Muitos até nos transmitem conceitos pré-confucianos, como o “já está” (tradução livre) com o que elevador do meu prédio nos anuncia a sua presença; outras máquinas, como os semáforos (que os sul-africanos apropriadamente descrevem como ‘robots’) dão-nos a medida da sua ansiedade, com um matraquear em crescendo de ‘bips’, que se junta ao barulho geral da cidade, e ao qual já ninguém liga, mas que é tão inútil como seria a presença de cães-guia nesta terra em que todos parecem ter os dois olhos bem abertos.

Num referendo informal (discreto mas ilegal) constatei que nas passadeiras para peões há mais cadeiras de rodas do que invisuais. Como ali não abundam as rampas, talvez os que têm dificuldades de locomoção devam fechar os olhos para sentirem como aqui se dá atenção a esses problemas. Mas como se diz entre os duplos de cinema, se não tiverem apoio profissional não o façam sozinhos no interior dos autocarros – de olhos fechados, sem verem o que os rodeia, talvez nunca entendam o que querem dizer as mensagens sonoras que anunciam, em quatro idiomas, a paragem seguinte e em vez de saírem na “rua dos Guimarães” (sic) poderão ir parar à Obra das Mães.

Equívocas mas divertidas, companheiras apesar de mandonas (“retire o seu dinheiro!” exigem as ATM, quando a massa já foi empochada há muito), as máquinas falantes são o último esboço de um diálogo que há muito se perdeu no persistente preconceito de não se falar com o outro. E, tal como acontecia com o lendário pianista mecânico do Westin, tem ainda a vantagem de não termos de bater palmas no fim.

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