SEGURADORA PARA REFORÇAR CONFIANÇA ENTRE A CHINA E OS PAÍSES LUSÓFONOS

por Arsenio Reis

 

Na hora de investir na China e nos países de língua portuguesa, ainda existe muita desconfiança por parte dos empresários de ambos os lados. A criação de uma seguradora que pudesse cobrir o risco de exportação é uma das propostas do presidente da Associação Comercial Internacional para os Mercados Lusófonos para aproximar estes dois mercados. Em entrevista ao Plataforma Macau, Eduardo Ambrósio diz ainda que tem “dúvidas que Macau esteja de facto a desempenhar bem” o papel de plataforma. E deixa uma sugestão: A criação de um espaço de exposição de produtos de todos os países da lusofonia

 

PLATAFORMA MACAU A Associação Comercial Internacional para os Mercados Lusófonos tem 11 anos. Acredita que hoje há um maior conhecimento dos mercado dos países de língua portuguesa na China?

EDUARDO AMBRÓSIO  – Sim, com certeza. Com o investimento que o Governo de Macau tem feito e com o esforço de tornar Macau numa plataforma entre a China e os países de língua portuguesa, parece-me que os objetivos foram parcialmente alcançados. No entanto, temos ainda que trabalhar muito para que todos beneficiem dessa plataforma.

P.M. Existe ainda muito a ideia de que estes são mercados que se desconhecem. Concorda?

E.A. – Acredito que há já um conhecimento muito bom de ambas as partes. De qualquer forma, tenho dúvidas que Macau esteja de facto a desempenhar bem o papel que deveria desempenhar. As coisas não estão a correr ao ritmo que deviam. Nos últimos 10 anos aprendemos muita coisa, mas agora é altura de dar mais um passo. Na minha opinião, estamos a marcar passo, temos de correr mais rápido e ganhar o tempo que temos perdido nos últimos 10 anos.

 

P.M. Na prática, o que é que é preciso fazer?

E.A. – Aqueles que vivem em Macau não estão a sentir que o território possa desempenhar o papel de plataforma. Quando os nossos governantes vão para fora, existe muito o discurso de que Macau é esta plataforma – a própria China fala nesses termos – mas as pessoas que cá vivem não o sentem.

A primeira coisa a fazer é criar um espaço físico onde estejam em exposição todos os produtos dos países de língua portuguesa. Nós recebemos 30 milhões de turistas por ano, que chegam de fora e perguntam: onde é que eu posso comprar produtos de Angola, de Portugal, de Moçambique ou de outros países de língua portuguesa? E a única possibilidade é ir ao supermercado e comprar vinhos.

Há 10 anos que tenho vindo a fazer esse apelo ao Governo. Macau precisa de ter um espaço como este, uma feira permanente, onde os produtores da esfera lusófona tenham um stand para expor os seus produtos. Aqui podem organizar-se à base diária provas de vinhos, provas de comida, e mesmo danças folclóricas. Deve ser um lugar com vida e isso não existe.

P.M. Não poderá este ser o novo centro de distribuição de produtos de alimentares dos países de língua portuguesa que está a ser estudado pelas autoridades de Macau e da China continental?

E.A. – Não estou a falar de um centro de distribuição, mas de um centro de exposição, que de facto tenha o desígnio de mostrar Macau como a plataforma. Um espaço onde qualquer pessoa venha aqui e possa provar as iguarias de Angola, Moçambique, ou possa mesmo ver as danças destes países.

Um centro de distribuição de produtos é na minha opinião apenas um negócio. Vende-se para os supermercados na China, mas não vende a público. O que é necessário é atrair o público para um espaço onde se provem e comprem os produtos.

 

P.M. E o Governo está a considerar a sua proposta?

E.A. – Prefiro não comentar.

 

P.M. Então o que quer dizer é que ao fim e ao cabo Macau não tem desempenhado o seu papel como plataforma?

E.A. – Tem desempenhado, mas a um ritmo muito lento. Precisa de andar para a frente.

 

P.M. Há 10 anos, havia um interesse substancial da China em entrar em mercados como o americano e europeu. Acredita que a esfera lusófona tem conquistado espaço nesta equação?

E.A. – A China nomeou Macau para que isso acontecesse, para que se ajudasse a desenvolver negócios entre Pequim e a lusofonia. O que acontece é que grande parte dos negócios entre os países de língua portuguesa e a China estão a ser feitos sem aproveitar Macau, de forma direta. É uma pena, porque os empresários de Macau acabam por não conseguir aproveitar muito, a começar pelos negócios feitos com esses países.

Na concretização de negócios com Angola ou com Moçambique, por exemplo, há sempre um risco. Em Hong Kong existe uma companhia de seguros que cobre o risco de exportação – o Export Credit Insurance – e na China também existe um sistema semelhante. Um empresário compra um seguro e se o comprador não fizer o pagamento, então é a companhia de seguro que cobre. Estamos a falar de um seguro como qualquer outro seguro, seja de vida ou de saúde. Acontece que este tipo de seguro não existe em Macau, mas é algo que existe à escala global. Por exemplo, na China temos o China Insurance com uma extensa base de dados e 99% das empresas de Angola ou de Moçambique podem consultar esta base de dados e perceber se as empresas com quem querem fazer negócio são de confiança.

 

P.M. Propõe então a abertura de uma companhia de seguros local?

E.A. – Por exemplo, você está em Macau e um empresário de Angola ou de Moçambique quer entrar em contacto com uma empresa na China continental para comprar roupa. Você conhece uma empresa na China e passa a mensagem, dizendo que alguém interessado em Angola para comprar roupa. E perguntam-lhe: então como é que se vai processar o pagamento? A crédito, você responde. Mas temos de pensar que Angola está a cinco mil quilómetros e não podemos estar a pagar a crédito. Se houver uma companhia de seguros, pode ver se a empresa em que está interessada é viável ou não.

Em Macau, isso não existe. Estamos a fazer negócios ao nosso risco e a verdade é que ninguém quer fazer negócio ao seu próprio risco.

Macau não tem necessariamente de criar uma companhia de seguros, mas pode fazer uma extensão de uma companhia de seguros da China para o território. Hoje em dia ninguém quer exportar a crédito, principalmente a clientes novos, que ainda não são conhecidos.

 

P.M. Que outras limitações continuam a haver na entrada de empresas lusófonas no mercado chinês?

E.A. – Há vários problemas ainda, como a língua e a cultura, mas esses são problemas que facilmente são ultrapassados. O maior problema continua a ser a forma de fazer o pagamento.

 

P.M. Acredita que o CEPA (Acordo de Estreitamento de Relações Económicas e Comerciais entre o Interior da China e Macau) veio aliviar essas limitações?

E.A. – O CEPA facilitou a exportação para a China, mas na minha opinião é de acesso ainda muito limitado. Lá está, por causa do pagamento da China.

 

P.M. Quais têm sido as maiores áreas de investimento tanto de um lado e de outro?

E.A. – Hoje em dia tem sido o Visto Dourado [investimento por residência em Portugal].

P.M. E no âmbito dos outros países da Lusofonia?

E.A. – Existem muitos casos de cooperação. Agora, através de Macau e que eu conheça são muito poucos. Estou mais dentro do caso do Visto Dourado, porque há realmente muitas pessoas a trabalhar neste projeto.

P.M. Mas a Associação Internacional Comercial para os Mercados Lusófonos não é contactada por empresas interessadas em entrar no mercado chinês ou ao contrário?

E.A. – Muitas vezes os negócios são feitos de forma direta. Como sabe, há muitas empresas em Portugal ou no Brasil que já têm escritórios em Xangai e em Pequim. O Brasil não precisa de Macau, nem Angola nem Moçambique. Hoje em dia já se fala muito português na China e de modo que os dois lados negoceiam diretamente.

Macau é uma plataforma política. Agora, como empresário, acredito que é feito muito pouco. Por isso digo, o Fórum Macau (Fórum para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa) deve ser mais vocacionado para a parte empresarial, ser mais flexível e apoiar os empresários daqui para fazer mais negócio.

 

P.M. Quantos membros tem hoje a ACIML? 

E.A. – Temos 200 sócios. Muito estão ligados ao ramo dos vinhos, do calçado, entre outras áreas. Metade são de Macau e a outra metade são chineses. Nos últimos anos, o interesse aumentou bastante. Fazemos muitos encontros anuais. Todos os anos é organizado o encontro empresarial entre a China e os países lusófonos, sempre num país diferente. No ano passado foi em Timor-Leste e este ano vai ser em Moçambique.

Ainda em relação à nossa associação, acho que nós também temos alguma culpa, deveríamos fazer mais, trabalhar mais. Mas estamos todos muito ocupados. Estamos com novos sócios e queremos passar o nosso trabalho para os mais jovens. Tenho a certeza que, com a experiência que temos, Macau pode vir a ter um papel mais importante como plataforma.

Catarina Domingues

 

Pode também interessar

Contate-nos

Meio de comunicação social generalista, com foco na relação entre os Países de Língua Portuguesa e a China

Plataforma Studio

Newsletter

Subscreva a Newsletter Plataforma para se manter a par de tudo!