Catarina Domingues – ORDEM NA PRAÇA, SENHOR AGENTE

por Arsenio Reis

 

Sábado à noite no Venetian à espera de um táxi, e uma frota de mais de vinte carros à porta, e ninguém à nossa frente, também ninguém disposto a levar-nos por menos de cem patacas – o lá de trás pede trezentas. Não é noite de tufão (e não que isso justifique preços mais altos, mas já é o hábito que quase nos habitua), hoje nada se move no ar, consigo tocar o calor húmido, e ele a mim.

Tiram-se fotografias às matrículas dos táxis, tentam fixar-se caras para reconhecer mais tarde, mas os homens mantêm as mãos ao volante, outros gastam o tempo e a noite cá fora, em círculo, em amena cavaqueira – o Brasil-Chile começou. Andamos de um lado da praça para o outro e ninguém nos leva, nem ninguém nos leva muito a sério, e apontam para aquele táxi mais além, mas também ali são mais cem patacas, são trezentas patacas minhas senhoras, é pegar ou largar.

E é então que o segurança de colete florescente diz que é assim, que é sempre assim e que não é de outra maneira, e que não se pode fazer mais nada, minha senhora, não há mais nada a fazer.

E nós, que não desistimos não senhor, procuramos um senhor com mais autoridade, um senhor da autoridade, que está quase ali à mão, e de mãos cruzadas, à entrada do maior casino do mundo e a apanhar um pouco de ar fresco. Senhor agente, pode vir ali pôr ordem na praça de táxis? Eu não lhe consigo perceber uma única contração facial, o senhor agente não franze a testa, nem o sobrolho, nem para dizer que não, nem para dizer que sim. Mantém as mãos cruzadas, mas lá nos acompanha até à praça de táxis, são cem metros e o senhor da autoridade vai hoje cumprir uma missão.

Novamente na praça, e ainda com a sensação de que esta noite se vai fazer justiça, de que as autoridades afinal ainda podem qualquer coisinha, nem que seja pôr ordem numa praça de táxis à entrada de um hotel-casino na Taipa.

Mas os carros começam a partir, ou melhor, a fugir é o termo certo, que eu não quero que as palavras me faltem, ou que atrapalhem a compreensão de quem me lê. É ilegal, senhor agente, são ladrões e estão a fugir, senhor agente, mesmo à frente dos nossos olhos, senhor agente. Mas o senhor agente da autoridade mantém os braços cruzados, sem apontar o número de uma única matrícula, sem fazer um único telefonema, ainda sem franzir a testa, nem o sobrolho.

Lá do fundo, avançam três carros na nossa direção. E nós pomos a nossa noiva a bordo, e deixamos o senhor agente para trás, que afinal hoje até é dia de festa.

Macau, por favor, senhor taxista, que o Brasil-Chile já vai adiantado.

 

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