SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE PREPARA ELEIÇÕES COM TENSÃO À ESPREITA

por user.admin

O arquipélago vai organizar três eleições nos próximos meses, enquanto sobe a tensão social

São Tomé e Príncipe tem três eleições previstas para este ano: autárquicas, regional (para a ilha do Príncipe) e legislativas. O Presidente da República, Manuel Pinto da Costa, que tem poderes constitucionais para marcar eleições regressou ao seu país na última semana, de uma visita privada de 15 dias à China Popular e a Portugal, e poderá marcar a data do escrutínio ainda esta semana, antes de se deslocar para a cimeira dos chefes de estados da União Africana, na Guiné Equatorial e para outra visita a Luanda.

Sabe-se, no entanto, que essas eleições vão ocorrer provavelmente nos meses de agosto ou setembro. A dúvida é saber se elas decorrem em simultâneo ou se acontecerão com intervalo de uma semana, tal como foi em 2010.

Entretanto, a medida que se aproxima a data para ida às urnas, aumenta em São Tomé e Príncipe o clima de alguma tensão social.

Três ameaças de greves, respetivamente na única empresa de abastecimento de água e eletricidade (EMAE), na empresa nacional de meteorologia e na comunicação social (rádio e televisão) estão sobre a mesa do primeiro-ministro Gabriel Costa. Movimentos sindicais que abalam as pequenas ilhas do Equador, que esta semana foi surpreendida com a notícia veiculada a partir de Lisboa de que o ex-primeiro-ministro Patrice Trovoada, filho do antigo Presidente da República Miguel Trovoada, e o seu partido, Ação Democrática Independente (ADI) introduziram no Tribunal Penal Internacional (TPI) e no Vaticano, uma queixa-crime contra os titulares dos órgãos de soberania e outras altas figuras do estado são-tomense.

Na lista das pessoas acusadas figuram o Presidente Manuel Pinto da Costa, o primeiro-ministro Gabriel Costa, o presidente da Assembleia Nacional,  Alcino de Barros Pinto, o ministro da Defesa e Segurança Pública, Óscar Sousa, e o comandante geral da polícia, Roldão Boa Morte.

Todos eles são acusados por Patrice Trovoada e por ADI de perseguição politica, violação dos direitos humanos e privação de liberdade de expressão e de imprensa. Soma-se a estes factos a crescente onda de criminalidade associada ao uso da droga, consumo excessivo do álcool e aumento do desemprego, que espera-se, não venham a perturbar a realização das eleições.

 

QUEIXA “RIDÍCULA”

 

A reação às acusações de Patrice Trovoada não se fez esperar.

O maior partido que sustenta o governo, o MLSTP-PSD acusou o ex-primeiro ministro de “falta de sentimento patriótico e demonstração de um profundo desprezo pelas conquistas democráticas” do povo são-tomense. O MLSTP-PSD considera a ação de Patrice Trovoada e do ADI de “ridícula e sem qualquer sustentação no quadro do direito penal internacional”. Este partido pediu um debate parlamentar com caráter de urgência para discutir a decisão subscrita pelo ADI, partido atualmente com maior representação parlamentar.

O governo, por seu lado, em comunicado do conselho de ministros, acusou o ADI e seu presidente de colocarem em causa a imagem do país de prejudicar os esforços do governo para atrair investimentos externo e combater a pobreza.

Condena a “atitude antipatriótica” do ADI que acusa estar a colocar “os interesses meramente partidários e eleitoralistas acima dos interesses superiores da nação, transmitindo para o mundo e para a comunidade internacional uma imagem que em nada reflete a realidade social e política do país”.

O governo acusa ainda o ex-primeiro ministro de utilizar “mentira grosseira e inaceitável” para com “manobras dilatórias desviar as atenções sobre os casos de justiça que envolvem altos dirigentes do ADI”.

 

BISPO RECONHECE

TENSÃO SOCIAL

 

Plataforma Macau procurou Manuel António,  bispo da Diocese de São Tomé e Príncipe, uma voz independente e autorizada para analisar os porquês de tanto problema num pequeno país de cerca de 190 mil habitantes.

A pobreza, a cultura egocentrista dos são-tomenses, o pessimismo de algumas pessoas, a perda de ideologias e de valores e o elevado índice de desemprego, são explicações que o bispo Manuel António encontra para todo esse clima de convulsão que ameaça tomar conta do pequeno país africano.

“Todos nós temos que reconhecer que se vive neste momento um certo clima de alguma tensão social em São Tomé. Isso tem várias justificações. Em primeiro lugar está a própria pobreza do país que não ajuda a encontrar nas pessoas respostas as suas dificuldades. Mas há também a cultura geral em que vivemos, que não deixa de ser uma cultura muito consumista, algo egocentrista, da pessoa procurar viver a sua vida no sentido de uma felicidade imediata, o que também não ajuda a ter capacidade de fazer sacrifícios, de se empenhar nas causas”, explica Manuel António.

Nos últimos meses vários setores da sociedade são-tomense têm-se levantado em movimentos de reivindicação sobretudo exigindo aumento salarial, reabilitação de estradas, abastecimento de água potável. Já em fevereiro, os militares recusaram deslocar-se ao aeroporto para prestar honras militares ao comandante supremo das forças armadas e Presidente da República, Manuel Pinto da Costa, aquando de uma viagem ao Congo Brazzaville, uma ação de desobediência que chegou a provocar receio de um novo golpe militar.

São Tomé e Príncipe já teve dois golpes de Estado desde que, em 1990, abandonou o regime de partido único e adotou uma nova constituição multipartidaria.

“Infelizmente, em África, os golpes de Estado são o pão nosso de cada dia e com maus resultados. São Tomé também já passou por isso”, reconheceu o bispo da diocese são-tomense.

“O garante da estabilidade de um país como São Tomé, não há duvida que são as forças militares e militarizadas. Se nós não podemos confiar nas forças militares, as coisas começam a ficar complicadas. Situações ligadas às forças armadas têm que ser analisadas porque de certo modo elas é que são garante da democracia”, explica o bispo Manuel António.

O prelado critica a classe política do arquipélago que considera estar a “implantar uma cultura baseada no interesse pelo dinheiro”.

“Perderam-se as ideologias, a nível político sabemos que o que interessa é o dinheiro, são os interesses pessoais, etc. Se alguém quer fazer alguma coisa para o país tem até muita dificuldade porque as pessoas que têm a sua volta não têm esse mesmo objetivo e tudo isso cria dificuldade em que não se encontram respostas para o futuro do país porque as pessoas não colocam os interesses do país a frente dos interesses pessoais”, disse ao Plataforma Macau.

Considera que São Tomé e Príncipe vive uma “situação política algo sui generis” com um governo que embora seja apoiado por três partidos na assembleia, tem um primeiro-ministro que não faz parte de nenhum desses partidos e, portanto, “acaba por criar uma situação de alguma dificuldade na governação”.

Nos últimos meses surgiram três novos partidos políticos, todos liderados por dissidentes dos partidos já implantados que na opinião do bispo não têm ajudado nada a estabilidade política no país.

“Em casa onde não há pão todos ralham e ninguém tem razão e é normal que numa situação destas, movimentos de contestação, surjam greves” acrescentou.

“São Tomé e Príncipe sofre de um desemprego crónico até porque sendo um país juveníssimo, todos os anos são muitos os jovens a procura do emprego. O país que não tem estrutura nenhuma, não tem nada é impossível dar emprego a toda essa gente. Estamos a falar num país em que 70 por cento da população tem menos de 30 anos. Se hoje falta uma escola para 1000 alunos daqui a dois anos faltará escola 3 mil. Há um crescimento da população muito grande que, se por um lado, é sinal de vida, por outro, cria desafios que obriga a que o governo tenha que pensar nas suas estruturas não para hoje, mas para amanhã”.

Considera necessário quebrar o ciclo vicioso de é só o estado que mais emprega, relegando esta atividade também ao empresariado nacional, mas lamenta a falta de incentivo por parte do estado ao aumento do investimento privado no arquipélago.

“O próprio Estado tem que favorecer este investimento. Por exemplo, não temos uma justiça que funcione, assim ninguém vai querer investir em São Tomé. A justiça tem que funcionar, o Estado tem que começar a funcionar a médio e logo prazos, as pessoas também têm que perceber que elas são responsáveis pela construção do próprio país e não pode estar a espera que as coisas lhe caiam do céu, tem que haver uma mudança de mentalidade, sublinha dom Manuel António.

A luta pelo poder em são Tomé e Príncipe, ganhou contudo, maior frenesim com o anúncio de exploração em meados de 2015 de petróleo e gás natural na zona de exploração conjunta entre São Tomé e Príncipe e Nigéria. Por isso acredita-se, estas eleições vão ser as mais disputadas de sempre.

Manuel Barros

 

 

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