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CONTENTORES AO FUNDO

 

A China opôs-se a uma aliança marítima que colocava 40% da carga contentorizada nas mãos de três operadores de contentores, depois de EUA e UE já terem dado luz verde ao negócio

 

Três gigantes marítimos europeus, os maiores do mundo, montaram a aliança P3 Network para dominarem o tráfego entre os portos do ocidente e os do oriente, tendo como referência o sistema de “code-share” já implementado pelas companhias aéreas.

No conjunto, a P3 Network, constituída, em 2013, pela dinamarquesa A.P. Moller-Maersk Group, suíça Mediterranean Shipping Co SA e francesa CMA CGM SA, iria abordar as mais lucrativas rotas marítimas do mundo com uma frota de respeito: 255 embarcações de grande porte e 2.6 milhões de contentores de 20 pés. O sistema, destinado a baixar custos, com a criação de sinergias, iria funcionar nas rotas Ásia-Europa, Transpacífico and Transatlântico, e já tinha luz verde dos reguladores norte-americano e europeu. Mas a China chumbou o projeto, numa recusa que afeta a viabilidade da nova associação. O projeto foi adiado, quando não descartado.

“Na Maersk Line estávamos trabalhando com dedicação na abordagem dessas questões e preocupações em relação ao mercado chinês. Portanto, logicamente, estamos desapontados com este projeto não implementado”, reagiu Vincent Clerc, executivo-chefe de negócios e marketing da Maersk Line. “A P3 proporcionaria à Maersk Line uma rede mais eficiente e, para nossos clientes, um produto ainda melhor. Mantemos o compromisso de continuar oferecendo custos competitivos e serviços confiáveis” prometeu aquele executivo.

Mas, noutras latitudes, como no Brasil, o chumbo chinês foi bastante saudado. “A China deu uma resposta excelente no sentido de que pretende proteger sua armação nacional e seus exportadores. O órgão regulador chinês conhece o nível de letalidade que uma aliança com fatia superior a 45% do mercado global poderia oferecer ao país e as suas empresas”, reagiu o editor do sítio eletrónico dos Usuários dos Portos do Rio de Janeiro, André de Seixas. “A China defendeu o interesse público, defendeu seus exportadores e seus consumidores”, acrescentou Seixas.

 

PORTOS CONTRA O MONOPÓLIO

 

O “chumbo”, anunciado pelo Ministério do Comércio chinês, foi visto por setores da indústria como uma decisão que permite a concorrência saudável nas mais movimentadas rotas marítimas do mundo e também uma forma do país proteger a sua marinha mercante, que ainda não consegue competir com os gigantes ocidentais.

“Uma vez que as companhias de navegação chinesas não assumem a iniciativa quando negoceiam com diferentes clientes através do mundo, arcam com um grande défice, o que não acontece com as companhias europeias”, considerou Zhang Shouguo, vice-presidente da Associação Chinesa de Armadores, citado pelo jornal China Daily.

O mesmo jornal inclui declarações de Luo Renjian, um analista do setor dos transportes, que defende que uma aliança do tipo P3 Network iria tirar importantes quotas de mercado às companhias de navegação chinesas, num quadro atual de dificuldades.

“Enfrentando o excesso de capacidade e a feroz competição global, as empresas chinesas lutam por ter lucro. E o governo suspendeu os subsídios para os porta-contentores construídos em portos domésticos”, disse. Por outro lado, recordaram outras vozes. uma aliança com o poder da P3 Network teria força para obrigar os portos, incluindo os chineses, a praticarem os preços que mais lhe conviesse.

Não eram só os portos chineses a ficarem afetados. A aliança tinha identificado Londres e Singapura como as principais bases para as operações, o que transformava os portos de Roterdão e de Port Klang (Malásia) nos previsíveis perdedores com esta operação. Em Espanha, o porto de Valência iria ser certamente uma das vítimas – segundo o diário económico espanhol Cinco Días, esse era o cenário mais provável.

 

SINES ESTAVA NA ROTA

DA P3 NETWORK

 

Em Portugal, a  aliança tinha escolhido o porto de Sines (gerido pela PSA, de Singapura) para integrar, pelo menos, quatro das suas rotas: no abastecimento a Portugal, entre o norte da Europa e a Ásia e duas de ligação aos Estados Unidos. Os portos de Setúbal, Lisboa e Leixões, que têm a  Maersk e a CMA CGM entre os seus clientes, eram, aparentemente, cartas fora do baralho.

E o setor da navegação portuguesa não ficou menos preocupado. “Os carregadores e associações do mundo estão relutantes em encarar isso como uma aliança puramente operacional, porque a partir do momento em que três empresas multinacionais se sentam à mesa, a tendência é também para discutir preços e relação com os clientes. O facto de usarem os mesmos navios vai levá-los nesse sentido”, alertou, em dezembro passado, Fernando Grilo, administrador da Logistema, empresa especializada na gestão de sistemas logísticos, citado pelo diário português Jornal de Negócios.

Com a natural exceção das três empresas envolvidas, o alívio com o fim prematuro da operação P3 Network foi sentido em todo o mundo. E já quem exija que a decisão chinesa sirva de exemplo nos seus países. “É perfeitamente possível prever que, se fosse no Brasil, a Aliança P3 teria sido aprovada com todos os louvores possíveis, selada com uma bela festa de comemoração. O Brasil, independente de Portugal há quase dois séculos e atualmente a sétima economia do mundo, ainda não deixou de ser colônia em termos de Marinha Mercante. Pior, é colônia de paraísos fiscais como Nassau, Bahamas, Libéria e Panamá”, queixou-se André de Seixas.

Luís Andrade de Sá 

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Meio de comunicação social generalista, com foco na relação entre os Países de Língua Portuguesa e a China

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