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BRASIL NO CINEMA DE MOÇAMBIQUE

Associado à criação do cinema moçambicano, e sob a influência de Ruy Guerra, o apoio brasileiro foi mais decisivo na produção do que na estética, segundo realizadores dos dois países.

Quase sempre que se fala no cinema moçambicano, faz-se uma ligação ao Brasil e à importância que os seus cineastas tiveram na implantação da sétima arte no período pós-independência do país africano. Ruy Guerra, o moçambicano que se tornou famoso a fazer cinema no Brasil, e, em sentido contrário, Licínio de Azevedo, Chico Carneiro e José Celso, cineastas brasileiros radicados ou que passaram por Maputo, são as grandes referências dessa relação.

A “pegada” brasileira no cinema moçambicano esteve apenas restringida aos modelos de produção e aos técnicos brasileiros do setor, defendem os realizadores Sol de Carvalho, moçambicano, e Licínio de Azevedo, brasileiro, entrevistados pelo Plataforma de Macau.

E os dois concordam igualmente no destaque que deve ser dado à importância de Ruy Guerra na formação e criação do primeiro Instituto Nacional de Cinema (INC) em Moçambique.

Após a independência, em 1975, o governo moçambicano entendeu que o cinema poderia ser um instrumento para difusão de políticas e ideias de reconstrução da nação moçambicana. As primeiras manifestações cinematográficas no país eram de carácter político e defendiam, principalmente, o ideal da unidade nacional moçambicana.

Licínio de Azevedo, realizador radicado em Moçambique desde a independência, fundador da Ébano, primeira produtora de cinema independente em Moçambique, recorda que a condição histórica em que o país se encontrava obrigava os cineastas a “engajarem-se” em prol da construção de uma imagem de Moçambique.

“Desde o seu começo, o cinema moçambicano teve uma ligação com a política. Levou muito para os cineastas se libertarem, a ideia e os temas eram indicados pelas autoridades. Aliás, até hoje, tudo que é criado em Moçambique está muito ligado ao lado institucional ou educativo”, diz o realizador, cujo último filme, “Virgem Margarida”, data de 2012.

 

O INC E OS DOCUMENTÁRIOS PIONEIROS

 

Na esteira deste projeto de difusão de ideias nacionalistas, Samora Machel, primeiro Presidente de Moçambique independente, criou o Instituto Nacional de Cinema (INC), para a interação entre cineastas moçambicanos, franceses, portugueses, cubanos e brasileiros. Este projeto, que viria a formar os principais realizadores do cinema moçambicano, deu início à história do cinema em Moçambique.

Para Azevedo, o documentário, opção política da época escolhida pelo INC, foi uma “galinha dos ovos de ouros”, e o país tornou-se na primeira nação africana a introduzi-los.

“Na época, décadas de 1970 e 1980, nenhum outro país africano fazia documentários. A história de Moçambique, em todo o processo de independência, teve muitos momentos bons, que viriam a ser retratados, de forma talentosa, pelos próprios documentários”, afirmou.

Azevedo defende que o documentário moçambicano passou a ser uma referência ao nível da África, tendo levado cineastas de países como Africa do Sul e Namíbia, recém-libertados do ‘apartheid’, a inspirarem-se na ideia moçambicana, em oposição aos filmes de ficção patrocinados por países como a França, que influenciavam o cinema africano na altura.

Neste processo de criação do INC, destaca-se Ruy Guerra, moçambicano nascido em 1931 em Lourenço Marques, atual Maputo, e radicado no Brasil. Após a independência, participou no nascimento do cinema moçambicano, recrutando cineastas e colaboradores brasileiros para Moçambique e montando o INC, sob a ideia de ser possível fazer filmes com poucos recursos.

“Eu apreendi a fazer filmes vendo o Ruy fazer. Ele mostrou que era possível fazer cinema de uma forma bem simples e barata, com poucos meios e utilizando a realidade”, afirmou Licínio.

A mesma ideia foi partilhada por Sol de Carvalho, autor da curta-metragem “O Búzio”, de 2009.

“Em minha opinião, não houve uma influência estética do Ruy no cinema moçambicano. Na verdade, a influência do Ruy esteve exatamente na produção. Ele traz um grupo grande de brasileiros para ajudar a organizar o sistema de produção de Moçambique. Daquilo que podemos chamar os modelos de produção, há uma influência do Ruy, mas não é uma influência brasileira, é de alguns cineastas brasileiros que foram liderados por ele”, defende o realizador.

Alguns desses realizadores e técnicos acabaram por ficar em solo moçambicano, destacando-se no processo da criação da identidade da cinematografia moçambicana, como Labi Mendonça e Chico Carneiro entre outros.

Mesmo assim, Licínio de Azevedo insiste que nas relações de cinema entre Moçambique e o Brasil, a influência, se existiu, foi “ao contrário”.

“Naquela época viam-se aqui filmes de todo mundo, desde o cinema russo, ao da RDA, Cuba, Portugal e, também, do próprio Brasil.

Na verdade, a grande influência do cinema brasileiro no cinema moçambicano, por incrível que pareça, foi uma influência moçambicana. Foi a influência do Ruy Guerra, que era moçambicano.

Ele ajudou a pensar o INC, trouxe vários colaboradores brasileiros e essas pessoas, individualmente, como técnicos, tiveram uma importância fundamental na formação dos cineastas moçambicanos, no entanto, eles não trouxeram o cinema brasileiro”, reiterou.

 

O “NACIONALISMO POSITIVO” DO KUXA KANEMA

 

Segundo Sol de Carvalho, diretor da premiada longa-metragem “Impunidades Criminosas” (2013) e fundador da produtora de cinema Promarte, a vinda de um grupo de cineastas brasileiros não significou a “translação” do cinema brasileiro para o território moçambicano.

E, para ele, o momento marcante foi o surgimento do Kuxa Kanema, um sistema de documentários que garantiam a produção nacional.

“Com Kuxa kanema, aí sim, há uma influência direta do cinema novo com o cinema moçambicano. Porque, no cinema novo, a ideia era não ficarmos sujeito a quaisquer empecilhos que são os sistemas de produção. Essa é a ideia do Ruy, com base nos recursos locais garantir esse lado nacionalista positivo. Depois disso, Ruy percebe que, por um lado, o modelo constitucional de cinema na altura não iria funcionar como desejava, por outro, aparece a televisão, o que marca uma nova maneira de tratar das coisas”, reiterou Carvalho.

E o cineasta considera mesmo que o cinema brasileiro já perdeu a influência que teve do ponto de vista direto da ligação dos meios de produção.

“Sendo país que fala a mesma língua com Moçambique, tem também a história de ter feito cinema com condições muito fracas como Maçambique. Portanto, a gente olha sempre para o Brasil como um ponto de referência. No entanto, numa análise mais profunda percebermos que não houve muita influência, afirmou.

 

 

Estêvão Azarias Hamurabi, Maputo

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