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O FUTURO CHEGOU

Tudo começa num arquivo digital. Carrega-se numa tecla do computador e um objecto sólido tridimensional ganha forma numa impressora. Grande ou pequena. Bem-vindos ao que já chamam de “terceira revolução industrial”.

 

O que até há poucos anos, meses até, parecia ficção científica, passou a realidade incontornável: estima-se que o mercado global das impressoras 3D e respectivo materiais e serviços associados cresça 500 por cento nos próximos cinco anos. Segundo a Canalys, uma das consultoras especializadas nas rupturas da impressão 3D, estamos a viver o ponto de inflexão.O crescimento médio anual desta tecnologia será de 45,7 por cento, totalizando 16.3 mil milhões de dólares norte-americanos no ano de 2018.

Normal. Estas são máquinas que podem mudar o mundo tal como o conhecemos. Tal como a introdução da electricidade. Ou como Henry Ford, há um século, que reinventou todos os conceitos de produção industrial com a produção em massa e as linhas de montagem.

Contudo, desta vez parece tratar-se de um terramoto bem maior. Transversal. A revolução 3D, ou “fabrico por adição” para os peritos, cobre todas as áreas da humanidade. Imprimem-se órgãos vitais e próteses personalizadas ao paciente, constroem-se edifícios em breves dias, testam-se protótipos na hora, criam-se em casa peças excêntricas de bijuteria.

E porquê esta súbita aceleração? As principais barreiras foram vencidas e há muito dinheiro injectado. Como num passe de mágica, a massificação da tecnologia embarateceu-a, os tempos de impressão baixaram significativamente e estas máquinas admiráveis são compatíveis com mais materiais, cores e acabamentos. Dos laboratórios, as impressoras passaram para as fábricas. Para os hospitais. Para os escritórios. Em Janeiro, a consultora McKinsey alertava: “O fabrico por adição está a avançar muito rapidamente. Os gestores deverão preparar-se para cinco rupturas que vão acontecer.” Quais? A aceleração do ciclo de desenvolvimento dos produtos, alteração das fontes de receita, novas estratégias de produção, novos concorrentes e novas possibilidades de fabrico.

Razão têm os apóstolos desta tecnologia: “A próxima revolução não passará na televisão, ela será impressa em 3D.” Não por acaso, Pequim surge no primeiro pelotão de crentes num futuro 3D. É precisamente na China que se encontram algumas das maiores impressoras tridimensionais do mundo.

 

O ADMIRÁVEL MUNDO NOVO DA IMPRESSÃO 3D

 

A tecnologia da impressão 3D promete revolucionar a forma como se constroem casa, se desenham próteses ou se preparam alimentos. A ficção científica tornou-se realidade.

 

Imprimir dez casas em 24 horas, só o telhado fica de fora, é para os eleitos. E não falamos de maquetes. São casas-casas, daquelas onde se pode habitar. No entanto, com um canhão como o de Ma Yihe, não é de surpreender. A principal impressora 3D da sua empresa, a Winsun New Materials, com sede em Suzhou (Jiangsu), mede 150 metros de comprimento, 10 metros de largura e 6.6 metros de altura. Sem dúvida, é uma impressora que é um autêntico estaleiro de construção civil.

Executa um software que quer revolucionar a construção civil no planeta. Ma Yihe não quer fazer a coisa por menos. Levou mais de uma década a desenvolvê-lo, embora esta bazuca 3D seja, em rigor, quatro em um: tempos de construção encurtados, digitalização dos processos, utilização de materiais reciclados e mão de obra reduzida.

Até que poderia ser a megalomania de um homem – Ma Yihe, neste caso. Mas não. Em escala, a China está disposta a desafiar os progressos em impressão 3D registados na Europa e, sobretudo, nos Estados Unidos da América. Como se o Império do Meio decidira especializar-se em impressoras 3D de dimensões mamúticas, verdadeiros porta-aviões deste admirável futuro novo. Mas falando de aviões: outra destas impressoras chinesas, com 12 metros de comprimento, imprime titânio em 3D, de um só clique, camada após camada, cria peças para as asas e fuselagem de aviões.

 

REGRESSO AO ESPAÇO

 

O ar, o espaço, a atmosfera, é um dos territórios prediletos das impressoras 3D. Conseguem aliar a rapidez de produção à complexidade e leveza, condição essencial para subir alto. E se a NASA já imprime motores de foguetão em 3D, missões espaciais chinesas como as Shenzhen fabricam os assentos dos astronautas com esta tecnologia. Só assim se conseguem os ângulos cientificamente adaptados a cada fisionomia.

A norte-americana GE está atenta e admite dar o salto no fabrico de motores para o setor aeroespacial. Mas ainda a obsessão da NASA pelo 3D: há escassos meses, Anjan Contractor, empresário de origem indiana, obteve uma bolsa de quase 137 mil dólares norte-americanos para desenvolver um sistema de impressão de pizzas em 3D. A ideia é afinar uma máquina que sirva on-demand os astronautas nas missões mais longas, substituindo assim os alimentos desidratados ou enlatados que consomem lá no espaço sideral.

Segundo a Lux Research, think tank com sede em Boston (EUA), o sector aerospacial irá liderar em matéria de impressão 3D.

 

Em conjunto com as necessidades de automação industrial e o campo da medicina. Muito por causa destes três, estimam os analistas norte-americanos, em 2025 esta indústria deverá gerar algo como 12 mil milhões de dólares norte-americanos. O impacto causado na economia, esse, é exponencial. Em 2025, talvez antes, o McKinsey Global Institute cita um valor de 550 mil milhões de dólares.

 

MASSIFICAÇÃO INDUSTRIAL

 

Mais do que substituir a produção em massa, esta tecnologia vem complementar os processos industriais. Onde é que está a fronteira? “Para já, não é possível imprimir tudo. As pessoas têm um mau entendimento das impressões 3D”, defende Francisco Mendes, fundador da BeEveryCreative e um dos pioneiros em Portugal (ler entrevista nestas páginas). “A ideia não é fazer o que já se fazia. Agora há impressoras 3D que combinam os materiais ponto por ponto e que, pela primeira vez, conseguem misturar materiais com características totalmente diferentes.”

Certo é que as fábricas pelo mundo fora vão celebrando, uma após a outra, as maravilhas do processo. Os protótipos da Nike, entre outros, são agora produzidos em breves horas e com custos reduzidos devido à tecnologia 3D. E muito se gaba a empresa de Oregon por haver testado assim as suas mais recentes chuteiras de futebol, as “Nike Vapor HyperAgility Cleat”.

Nas vésperas do Campeonato do Mundo de Futebol, a marca faz barulho. “De forma a criar um piton que minimize a derrapagem no relvado, a impressão 3D permitiu-nos testar, interagir e criar formas que não são possíveis com os processos de fabrico tradicionais e que, por sua vez, aceleraram os limites da inovação”, afirma Shane Kohatsu, diretor de Inovação da Nike.

Também a norte-americana UPS, a segunda maior empresa logística do mundo, decidiu há um ano criar lojas-experiência onde os clientes pudessem imprimir os seus objetos 3D. Foi o primeiro retalhista a fazê-lo nos EUA, arrancando na área californiana de San Diego.

Sintomaticamente, três categorias de clientes foram logo detetados: os que ficavam intrigados com o potencial do novo serviço; uma maioria de clientes que eram estudantes de Medicina ou empreendedores com pequenos negócios; e algumas grandes empresas que optavam pelo outsourcing deste serviço à UPS.

 

QUESTÕES ÉTICAS

 

E quais as implicações éticas que esta revolução pode provocar nas nossas sociedades? Várias, embora estejam ainda por dissecar. Contactado pela Plataforma Macau, Alberto Cupani, catedrático em Filosofia da Tecnologia na Universidade Federal de Santa Catarina (Brasil), é tão honesto quanto lacónico: “Eu não poderia opinar, ainda não me ocupei do assunto.”

Na verdade, é tudo demasiado recente, como se este presente fosse demasiado futurista. Meio-mundo ficou admirado quando o software 3D para o fabrico doméstico de uma pistola foi descarregado em breves horas por mais de 100 mil pessoas em todo o mundo. Chamava-se The Liberator e havia sido desenhada pela empresa Defense Distributor.

O Departamento de Estado dos EUA reagiu célere. O ficheiro partilhado em rede foi mesmo apagado (mas só parcialmente, dias mais tarde encontrava-se no portal The Pirate Bay). Pior: também se teme que este tipo de armas impressas em 3D não sejam detectadas nos raios X dos aeroportos.

A contrafacção é outra preocupação. Não será complicado roubar as especificações de um produto de marca e imprimi-lo em casa. Tão-pouco será algo de absolutamente novo na nossa contemporaneidade: os mesmos princípios aplicam-se ao 2D, seja um livro, uma fotografia ou um desenho. Ou um ficheiro audiovisual.

 

VIVER ATÉ AOS 110

 

Escusado será dizer que é no campo da medicina onde se depositam mais esperanças. E fantasias, pois são duas faces da mesma moeda. Alguns peritos acreditam que, com os órgãos e próteses 3D impressos à medida de cada um, a vida pode ser facilmente estendida até aos 100 ou 110 anos. Pedaços de pele, fígados, vasos sanguíneos, pulmões, rins, cartilagens, coração… e com a garantia de não haver rejeição por parte do paciente.

Não obstante, e assumindo ser possível, talvez estejamos ainda a uma geração disso. Para já, tamanha euforia com o bioprinting é extemporânea. Resultados bem tangíveis existem, todavia. A californiana Organovo estabeleceu um protocolo com a Universidade de Queensland, na Austrália, para o desenvolvimento de um rim impresso a 3D. Não é algo menor. Tal como o coração, o rim é um dos órgãos que mais rejeita a medicação. Trata-se de uma pesquisa essencial para os testes clínicos das farmacêuticas.

Da mesma forma, a impressão 3D de órgãos pode ajudar a preparar uma cirurgia. Imprime-se, por exemplo, uma réplica do órgão afectado por um tumor. O cirurgião poderá treinar-se antes da operação e ganhar tempos essenciais para o sucesso da mesma. Sabe exactamente os locais que atacar e extirpar. Um modelo desenvolvido pela Universidade de Kobe, no Japão, foi há dias apresentado na conferência da Associação Europeia de Urologia.

Igualmente concretas são as próteses mecânicas: empresas como a Robohand, lançada em 2012 por um carpinteiro sul-africano (Richard van As) que perdeu quatro dedos no trabalho, imprimem dedos, pernas e braços que são utilizáveis minutos depois. O software está aberto na Internet e os pedidos chovem de todo o mundo. A lista de espera, especialmente de amputados, já vai nos oito meses. O preço de uma mão artificial? Meros 2.050 dólares norte-americanos.

 

ARTE E CONTRA-ATAQUE

 

No que toca à arte, poder-se-á imaginar, as combinações são exponenciais. Assim como o software 3D pode fazer toda a diferença. A usabilidade e a democratização dos desenhos tridimensionais são essenciais. Empresas como a jordano-californiana Mixed Dimensions estão na pole position. O seu software é intuitivo e permite a compra e venda, uma transação online entre partes interessadas.

Menos transparente, ou previsível, será a reação das grandes corporações ao aparecimento de alguns negócios revolucionários de nicho em 3D que não controlam. Isto porque deixam de ser necessárias as grandes linhas de montagem para obter custos marginais baixos. Personalização é a palavra e o perigo de um contra-ataque é real: e se, temendo perder a sua hegemonia e abrir uma brecha na produção em massa, os grandes tubarões decidem adquirir – e chutar para canto – este futuro afinal já tão presente?

 

 

若奧.洛佩斯.馬爾克斯

J.L.M.

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