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José E. Isaac – FORTES VÍNCULOS

Muito se ouve falar, nos nossos dias, da crescente influência da China no continente africano. Regularmente se veem e ouvem referências nos media relativas ao volume de investimentos chineses em África, a este ou aquele acordo bilateral assinado ou ao número de cidadãos chineses a trabalhar num ou noutro país. O país tornou-se, certamente, num dos principais parceiros económicos de muitas nações africanas; e as suas relações bilaterais não podem ser ignoradas quando se discutem as questões do desenvolvimento em África.

Os números nem sempre são consistentes ou mesmo plausíveis. Ocasionalmente, erros grosseiros são mesmo cometidos. Ainda há poucos dias, no quadro da cobertura noticiosa dada à recente visita do primeiro ministro chinês a quatro países africanos, se via uma referência à presença em Angola de mais de 20 milhões de cidadãos chineses – certamente, uma errónea tradução do caractere ‘dez mil’. Claro que os angolanos não estão prestes a tornar-se uma minoria no seu próprio pais. O episódio apenas serve para relembrar a necessidade de manter uma atitude crítica relativamente aos números e factos apresentados.

Mas podemos dizer, sem reserva, o que a generalidade dos números atestam: entre a economia chinesa e a economia de muitos países africanos têm vindo a desenvolver-se e consolidar-se fortes vínculos económicos. Em consequência, é de esperar que o sentido e intensidade da evolução da economia chinesa influenciem, nalguma medida, o desempenho económico daqueles países. Certamente, a intensidade desse efeito variará notoriamente de país para país. Mas é suficientemente significativo – e o mesmo poderia ser dito de outros países emergentes como, nomeadamente, o Brasil – para que a análise e prospetiva daquela economias africanas requeira a ponderação do fator ‘China’.

Inevitavelmente, este tema tornou-se objeto de atenção regular de variadas instituições que se dedicam à avaliação e análise das economias africanas. E é ponderado nas  projeções que diversas agências internacionais produzem regularmente sobre a evolução da economia africana. Um bom exemplo disso mesmo é o Fundo Monetário Internacional, que vem dedicando uma atenção particular ao tema da relação com a China nos relatórios de avaliação e projeção económica que publica semestralmente para a África subsaariana. Aí se assi-

nala que, petróleo à parte, um terço das exportações atuais dos países africanos se destinam aos BRIC (Brasil, Rússia, Índia, China). E que a China se tornou o maior parceiro comercial da região e uma das suas principais fontes de investimento.

A influência destes países e, em especial, da China para o crescimento da economia africana não passa apenas pela só pela compra de matérias primas – com o petróleo à cabeça – ou pelos fluxos de investimento, os aspetos em geral mais salientes das relações económicas bilaterais. Essa influência afirma-se também pela via da procura dirigida a outros setores de actividade das economias africanas.

Assim, como assinala o Fundo, o afrouxamento do crescimento da economias emergentes e a reorientação da China para um crescimento mais assente no consumo, poderão resultar numa diminuição da procura e na quebra nos preços das matérias de diversas mercadorias e, em particular, dos recursos minerais, relevantes para muitos países africanos. Por outro lado, uma eventual retração dos mercados financeiros na China pode contribuir para abrandar os fluxos de investimento dirigidos a África. Por uma via ou por outra, como destino de exportações ou como recetoras de investimento, muitas economias africanas são hoje especialmente sensíveis às condições de evolução da economia chinesa.

Na recente edição do seu boletim para a região, os analistas do FMI estimam mesmo que, nos últimos 15 anos, cada ponto percentual adicional de investimento interno da China se traduziu por um crescimento de 0.6 pontos percentuais das exportações da África subsaariana. Esse efeito poderia ser esperado em países fornecedores de petróleo como Angola (onde aquele valor sobe para 0.8 pontos percentuais) ou de outras matérias primas, como a Zâmbia; mas estende-se igualmente a economias mais pequenas e pobres de recursos minerais, com sejam os casos de Cabo Verde ou a Guiné-Bissau.

O efeito é, em parte, indireto: o crescimento do investimento doméstico da China afeta o crescimento da economia mundial e os preços das matérias primas. Mas também é direto, por via da expansão do comércio bilateral. Seja qual for a via de transmissão, o crescimento e orientação da economia chinesa nos próximos anos ocupará um alugar preeminente no campo de observação daqueles que se interessam pela economias africanas e, em particular, de todos aqueles a quem cabem responsabilidades para o seu desenvolvimento.

José E. Isaac

Economista e Professor Universitário

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Meio de comunicação social generalista, com foco na relação entre os Países de Língua Portuguesa e a China

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