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Paulo Rego – LÁGRIMAS DE ALEGRIA

Se o Governo de Passos Coelho ganhar eleições em Portugal, no próximo ano, vale no mínimo a pena lançar uma série de estudos académicos sobre o que pode bem ser um caso de estudo da ciência política moderna. A teoria diz-nos que é praticamente impossível uma reeleição, em circunstâncias económicas tão difíceis. A questão não é ideológica, muito menos partidária. O facto é que a história do voto tem sempre muito a ver com o nível da dor no bolso. A questão não é racional nem de interpretação – é de perceção. A classe média portuguesa paga a crise com a pele, sofrendo quebras de rendimento que, em muitos casos, ultrapassam os 30%. A ferida do défice, amarga e profunda, tinha de ser estancada. Mas o preço da cura é uma hecatombe no nível dos rendimentos, que leva tempo a purgar. Por muito otimista que seja o discurso oficial, há uma geração que corre riscos sérios de nunca conseguir recuperar a qualidade de vida a que estava habituado.

O país precisa de ânimo. E o fim do resgate financeiro merece celebração. Por muita falácia que haja, por mais ilusório que seja o discurso, por mais graves que sejam os erros cometidos – e foram muitos – o caminho adotado tinha uma única vitória possível no horizonte: pôr a Troika fora de jogo. Por isso, o dia 17 de Maio é uma data que tem de ser de viragem. Os chamados mercados, panaceia do liberalismo sem rosto, não são uma entidade assim tão abstrata. Um dos maiores dramas em Portugal é o da brincadeira dos números, como se a metadata fosse um número de circo. Mas não é bem assim. Os juros da dívida portuguesa estão hoje umas décimas abaixo daquilo que foi preciso pagar pelo valor do resgate. E essa é uma conquista incontornável.

Não há Governo que não guarde uns bónus para dar ao povo em ano de eleições. Todos o fazem, seja em ciclo ou em contraciclo, com razão ou sem ela, com ou sem consciência de Estado. Não será certamente diferente, seja qual for o efeito psicológico de recuperação que a coligação governamental consiga com isso. Mas vista daqui, a questão é outra. O mundo olha para aquele pequeno retângulo na expectativa de perceber se a crise, afinal, tem ou não tem solução. E qualquer mensagem positiva que venha daquele mar encrispado pode ser um farol que ilumina o capitalismo global. Mais uma vez, não se trata de defender o sistema, nem outra coisa qualquer, mas sim da consciência de que, nesta altura, uma eventual queda no abismo deixaria mais mortos do que feridos. Talvez seja da idade… revoluções, sempre, mas nesta altura, melhor é que sejam tranquilas.

Não sou fã de patriotismos. Nunca fui. Nisso, a idade não mexe. Também nunca achei piada à colagem de Kátia Guerreiro ao cavaquismo. Ainda hoje não acho. Mas qualquer coisa de estranho – ou talvez não – se passou nesta missão de Estado com música. Dispenso o hino, a bandeira e os formalismos; percebo as medalhas, sobretudo para quem as recebe. Mas rendo-me, isso sim, ao puro sentimento. Aquele concerto, a voz do fado com alma, a emoção de verdade, humanizando o banquete oficial, foi uma ideia feliz com lágrimas. Kátia partiu-me todo. Enxertou-me a alma lusitana. Antes de ela chorar, já eu enxugava as lágrimas. Mil ideias e emoções voaram pelo auditório da Torre de Macau. Por muito que queira Macau, ali fui mais um emigrante; por mais terras que tenha palmilhado, senti-me ali português; tenha a força e a vontade que tiver, há uma palavra chamada saudade, que apela à identidade.

Esteja lá quem estiver, venha de lá quem vier, aquilo que se sente em Macau é que Portugal tem de vingar.

Paulo Rego

 

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