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“ATENÇÃO PRIORITÁRIA À DIMENSÃO ECONÓMICA”

O embaixador de Portugal na China considera que a visita de Cavaco Silva foi “equilibrada”, embora tenha sido dada atenção “prioritária, atendendo a razões óbvias, à dimensão económica”. Há pouco mais de um ano em Pequim, Jorge Torres Pereira sente-se um privilegiado: com o forte investimento chinês em Portugal, vivem-se tempos de grande exigência, mas de maior espaço de manobra para a atuação diplomática.

PLATAFORMA MACAUDurante a visita do Presidente português Cavaco Silva à China foram assinados acordos importantes, nomeadamente a formalização da aquisição de 80% do ramo segurador da Caixa Geral de Depósitos pelo Grupo Fosun. Hoje, Portugal e a China falam sobretudo de economia?

JORGE TORRES PEREIRAO Sr. Presidente da República quis sempre demonstrar que esta era uma visita equilibrada, em que não só os aspetos do relacionamento político a alto nível são muito importantes. Também a importância do pilar económico e empresarial ficou bem demonstrada com a quantidade e a qualidade da comitiva empresarial que acompanhou o Sr. Presidente e com os diversos eventos que constaram do programa, que tinham essa componente económica e empresarial.

Houve também a oportunidade de encontros com grandes investidores chineses, com a dimensão da cooperação científica e técnica, a cooperação entre universidades e ainda a dimensão cultural e a promoção da nossa literatura e da língua portuguesa. Dentro deste equilíbrio, que foi procurado e conseguido durante a visita, é evidente que havia uma atenção que eu posso realmente dizer que era prioritária, atendendo a razões óbvias, à dimensão económica.

PMA parceria estratégica que Portugal e a China assinaram em 2005 é comentada por especialistas como tendo sido uma peça importante durante a crise em Portugal. E que terá sido graças a essa parceria estratégica que a China comprou parte da dívida de Portugal e que se deram as aquisições de empresas chave portuguesas. Que comentário faz?

J.T.P.Não sei se subscrevo por completo essa interpretação que está a fazer. Em todo o caso, a parceria estratégica global é o patamar em que se colocam as relações bilaterais. Recordaria que em 2005 eram muitos poucos os países – nomeadamente com a dimensão do nosso – que tinham a sua relação com a China classificada como estratégica global. E isto é sobretudo uma demonstração de que as nossas relações são complexas, são ricas, envolvem a forma como nós olhamos para terceiros e a forma como nos relacionamos nas organizações internacionais. É por isso que ela tem realmente este qualificativo estratégico.

Eu diria que este é que é o ângulo para o qual se deve olhar quando se qualifica o relacionamento bilateral como parceria estratégica global. E é evidente que quando as relações têm esta dimensão, quando surgem situações mais complicadas, o nível de relacionamento é importante. Mas não faria – como fez no princípio da sua pergunta – uma relação direta entre o que poderá ter sido o comportamento do Governo chinês e o nível do relacionamento. É o quadro em que se desenrolam as relações bilaterais, mas não se trata propriamente de invocar uma aliança para obter um resultado.

PMMas concorda que a China foi importante durante estes últimos anos de austeridade?

V.S.A China foi importante, em particular, porque ficou sempre muito claro não só aos nossos olhos, mas aos olhos europeus ou de terceiros, que a China apoiava o processo de integração europeia, que apoiava o euro e que estava disposta a dar provas concretas desse apoio. Na altura da crise financeira, em 2008, e da crise das dívidas soberanas, havia nalguns quadrantes um certo ceticismo em relação à própria sustentabilidade da moeda única. A verdade é que a China foi quem também contribuiu para uma visão mais serena do que é que seria a evolução da situação na zona euro. Aliás, como se viu, foram essas opiniões mais serenas que vieram a revelar-se certas.

PMAs autoridades de Portugal e China falaram da elevação da parceria estratégica a outro nível. Que é que podemos esperar?

V.S.Nós estamos no quadro de uma parceria estratégica global que é suficientemente abrangente e rica para lidar com todas as características: o interesse que a China tem em Portugal e vice-versa. O que há é uma série de componentes e de pistas que essa parceria estratégica pressupõe e que nós podemos aprofundar. Esta visita de Estado, em si mesma, já significa um aprofundamento, na medida em que, por exemplo, no quadro da parceria fala-se da necessidade de se manterem regularmente contatos políticos de alto nível. E isso é bem evidente quando se faz o cômputo final do que foi esta visita.

PMNesta visita também se falou de educação e foram assinados acordos nesta área, nomeadamente no que diz respeito ao ensino da língua portuguesa na China. Mas tem havido uma recorrente queixa de falta de professores por parte das universidades do Continente. O que é que se pode fazer para reforçar esse contingente?

V.S.O que eu acho muito significativo é que a curiosidade e o interesse pela língua portuguesa estão efetivamente em ascensão. Prova disso é que o número de universidades na China continental onde há cursos de português tem vindo paulatinamente a aumentar. É evidente que coloca-se a necessidade de haver uma oferta com a qualidade condizente a esta procura. E com estes acordos que foram celebrados – nomeadamente envolvendo uma maior coordenação pedagógica entre as universidades da China e de Portugal – as universidades portuguesas podem dar um certo know-how na qualidade pedagógica no ensino do português que é lecionado nas universidades chinesas. Digamos que em Macau o tema é mais simples, está mais bem cuidado há mais tempo e mais rotinado. Haverá também que fazer esse mesmo esforço de assegurar a qualidade pedagógica do ensino do português nas universidades que vão tendo esta curiosidade de fornecer a possibilidade dos estudantes das suas cidades poderem também aprender português.

PMTambém esteve em Macau, onde acompanhou Cavaco Silva nesta última etapa da viagem. Macau e a transição do território estão sempre presentes no discurso das autoridades, quer portuguesas quer chinesas. Que papel representa neste momento a RAEM no seio das relações luso-chinesas?

V.S.O que eu faria era remeter para as declarações que o Sr. Presidente fez justamente no último dia da visita. Mais não posso do que sublinhar e chamar a atenção para a importância do balanço que o Sr. Presidente fez no domingo. Acentuou sempre que existe uma relação de grande confiança e de respeito mútuo entre a Republica Popular da China e Portugal.

E que, definitivamente, essa confiança assentou e continua a assentar muito no facto de a resolução da questão de Macau, o processo de transferência de soberania e o relacionamento deste então decorreram de uma forma que nós classificamos de exemplar, que corresponde realmente a um sucesso. Nos sucessivos passos da visita, os interlocutores chineses chamaram a atenção para o facto de eles próprios também considerarem que essa é uma das razões pela qual o nosso relacionamento bilateral é o que é.

PMChegou há um ano e pouco a Pequim, altura em que o presidente chinês XiJinping subia ao poder. Nessa altura comentou: “É sempre bom começar no início de uma nova liderança”. Que balanço faz deste ano de trabalho em Pequim?

V.S.Quero ser deliberadamente modesto, porque não podemos exagerar. Efetivamente, nesta complexa relação em que há diferentes atores que no final contribuem para os mesmos objetivos:  incrementar as relações bilaterais, obter mais resultados, mais investimento, mais penetração das empresas portuguesas, mais promoção da língua portuguesa e conseguir que um maior número de chineses conheça Portugal e que mais portugueses conheçam a China. Eu diria que as funções de um embaixador são apenas a de ser mais um entre diferentes atores que contribuem para isto.

Eu sinto-me privilegiado pelo facto de, neste momento, as relações – muito devido aos investimentos chineses que foram feitos recentemente, e ainda confirmados pela importante privatização da Caixa de Seguros pelo Grupo Fosun – correspondem a uma altura em que tudo é simultaneamente mais exigente, mas há também mais espaço de manobra para a atuação diplomática portuguesa. Nós temos interlocutores a nível empresarial chinês que talvez não tivéssemos há uns anos atrás e tudo isto acaba por representar um ciclo virtuoso em que nós sentimos que temos possibilidade de fazer mais coisas e temos possibilidade de ter resposta para as coisas que tentamos fazer.

Catarina Domingues

 

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Meio de comunicação social generalista, com foco na relação entre os Países de Língua Portuguesa e a China

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